sábado, 24 de novembro de 2012

Trabalhadores da Europa, Uní-vos!


A ação da União Europeia, com o pretexto da crise financeira, sobre os países mais pobres do Continente Europeu, torna-se cada vez mais explícita como consequência das decisões tomadas pelo Grupo Bilderberg, criado em 1954 por um grupo sionista sediado nos Estados Unidos e políticos da direita européia, que corrigiram o plano de Hitler para dominar o mundo sem recorrer às chacinas e selvajerias do que se chamou "holocausto".

Com habilidade diplomática os pretensos "donos do mundo" deram início aos encontros anuais com a participação das monarquias europeias e políticos que aceitavam altos cargos nos seus países, inclusive de Presidentes ou Primeiros Ministros, para desenvolverem uma política social-democrática, oposta ao espírito de luta revolucionária dos comunista, que cativasse as populações com promessas de elevação do nível de vida gradual em um sistema capitalista "humanizado". Trabalharam arduamente para destruir a União Soviética que sempre fora considerada a força inimiga durante a Grande Guerra, mas que foi decisiva na vitória contra o fascismo de Hitler impondo a sua presença na divisão da Alemanha vencida e no convívio internacional como potência que era.

A guerra fria contra o importante bloco socialista com quem se viram aliados para vencer a Guerra, durante mais de 40 anos minou o sistema socialista que precisou investir em armamentos e na competição com o poder imperialista, os recursos que deveria aplicar no fortalecimento do Estado Social para promover o desenvolvimento das forças produtivas e sociais para libertar os povos do atraso em que viviam subordinados às elites exploradoras.

Em meados da década de 1980 atingiram a meta provocando a implosão da União Soviética e a destruição de todo o sistema socialista na Europa. Como símbolo, os vencedores derrubaram o Muro de Berlim e uniram os primeiros 12 países da Europa na Comunidade Europeia com fortes laços de endividamento para cumprir um programa de modernização dentro do modelo capitalista neo-liberal do Estado Mínimo.

Investiram fortemente na construção de estradas e nos recursos de comunicação, aperfeiçoaram um sistema de legislação que permite abrir as fronteiras e criaram a moeda única através do qual é unificado o poder financeiro europeu. Destruíram o caminho democrático aberto com o 25 de Abril de 1974 em Portugal que derrubara a ditadura de Salazar e o sistema colonial libertando vários países africanos. Criaram as condições para a grande crise que foi gerada pelo sistema capitalista que, em busca de um domínio centralizado do mundo, caminha pelos escombros deixados pelas guerras, acaba com o Estado Social, e esmaga as populações trabalhadoras para que sejam escravizados os que sobreviverem à fome, às doenças, ao desespero, à redução da população mundial que a elite pretende.

A resposta popular em Portugal

A organização de trabalhadores em Portugal, na luta iniciada pela CGTP com o apoio do PCP, contra a subordinação do Governo às imposições da União Europeia e do FMI, passou a receber a participação do Bloco de Esquerda com o movimento "A Troika que se lixe" que congrega artistas e técnicos de comunicação social capazes de atrair numeroso público de classe média de várias tendências políticas. Das forças partidárias de centro-direita o PSD que está no Governo, começa a perder alguns dos seus antigos políticos que preferem manter-se do lado popular no protesto contra a austeridade que traz a fome e a quebra da produção. O PS fica em cima do muro, enquanto a sua base segue as organizações de massa lideradas pela esquerda. A ação da UE junto com o FMI vai cortando os Orçamentos Nacionais enquanto abastece os bancos e beneficia as multinacionais, destruindo a economia existente, levando pequenos e médios empresários à falência ( na região norte de Portugal já existe um " cemitério" das empresas falidas), destruindo o sistema nacional de saúde, cortando os salários da função pública, as pensões e aposentadorias.

São promovidas manifestações grandiosas em todo o país, inclusive um marcha durante uma semana vinda do Norte e do Sul para Lisboa e greves nacionais. Cada grande setor específico - Polícias, Bombeiros, Saúde Pública, Bolseiros do Ensino Internacional, Militares, Deficientes, Mulheres, estudantes, trabalhadores da Caixa Geral de Depósitos e da TAP- tem feito manifestações em diferentes dias com a apresentação das suas reivindicações específicas além de participarem dos protestos nacionais junto aos demais trabalhadores.

Para o dia 14 de Novembro foram programadas greves nacionais e manifestações em 15 países da Europa de rejeição ao Orçamento Europeu da austeridade que reduz o Estado Social - Portugal, Espanha, França, Bélgica, Grécia, Itália, Suíça, Áustria, República Checa, Roménia, Croácia, Holanda, Alemanha, Inglaterra,
Em Portugal a CGTP realizou 39 manifestações em vários municipios do país dentro da programação da Greve Nacional. A UGT não aderiu à greve por ter feito um acordo com o Governo, mas vários dos seus sindicatos aderiram.

A adesão de 29 países europeus, incluindo a Turquia e antigos países do leste que agora fazem parte da União Europeia, tornou a greve do dia 14 a maior da Europa e de um valor importante para a unidade entre os movimentos sindicais do Continente Europeu.

Apesar da presença de elementos mais exaltados, ou provocadores infiltrados para provocar incidentes com a polícia, ficou clara a posição da CGTP em Portugal que os seus seguidores insistem nesta fase de diálogo para impedir que o Governo ceda às pressões da Troika e da UE representada por Angela Merkel para que a austeridade caia sobre os trabalhadores que são as maiores vítimas da crise financeira de um sistema falido em todo o mundo.

Setores de um camada de classe média empresária e de altos executivos demonstram a sua solidariedade com os mais pobres. Por um lado são movidos pelo repúdio à miséria que já se traduz em fome já constatada nas escolas (10 mil crianças deverão receber alimentação escolar para não sucumbirem) e do crescimento do número de pedintes nas ruas das grandes cidades, por outro a produção nacional despencou causando inúmeras falências e desemprego que pesam em toda a economia e arrasta o PIB para números negativos. São vistos antigos políticos do PSD, partido do primeiro ministro atual, incentivando a organização do Banco de Alimentos e da Caritas para, com o apoio de restaurantes, evitar que a fome sacrifique a nova classe média baixa.

De facto este setor de ascensão recente não sabe mais viver na pobreza de onde saiu pelas "mágicas" da própria União Européia na sua fase publicitária contra as conquistas da Revolução dos Cravos, e está totalmente preso às dívidas para sustentar o novo ( e falso) status social. Os mais pobres recorrem agora ao trabalho informal e à inadimplência e desenvolvem a consciência de cidadania participando nas manifestações sindicais e dos partidos de esquerda, mas quem ficou com a ambição de decolar com o milagre da UE vê- se perdido e traído.

Uma declaração do banqueiro Ricardo Salgado sobre a Troika, refere o seu espanto diante da "incapacidade dos seus representantes se entenderem" na apresentação das orientações ao Governo de Portugal. Generaliza-se a oposição à política imperialista traçada pela União Europeia e o FMI.

Zillah Branco

sábado, 10 de novembro de 2012

O retorno à Idade Média no século 21



Austeridade para crescer é a palavra de ordem apregoada pelo Banco Central Europeu, pelo Fundo Monetário Internacional e todos os seus acólitos. A recomendação é para os Governos cortarem os gastos com os setores sociais, despedirem funcionários públicos, suprimirem os benefícios que corrigiam as carências salariais, as pensões dos idosos, o atendimento da saúde púbica, e criarem maiores impostos, cobrarem propinas no ensino superior e de especialidades a nível médio. enfim, é para o povo apertar o cinto enquanto que a elite dominante esbanja os recursos públicos. oSoa como um catecismo que assinala os princípios morais básicos da humanidade:

. Poupar o que não faz falta para sobreviver
. Garantir o essencial: alimento,saúde, educação
. Investir na formação cívica e cultural
. Trabalhar sem descanso e com salários baixos
. Pagar os impostos e não protestar
. Evitar consumismo de supérfluos e modismos
. Transformar os objetos fora de uso, adaptando-os a novas funções
. Construir soluções com técnica, ciência e arte

Estas são as recomendações básicas para enfrentar as crises (sejam elas a nível pessoal, doméstico ou nacional). A União Europeia, no entanto, conduziu os países mais pobres da Europa a fazerem exatamente o contrário.  A partir de 1974, quando a CEE cria o Fundo de Desenvolvimento Regional para atrair a associação dos países mais pobres da Europa, desenvolve-se uma pressão subtil para que o clima de liberdade criado pela queda das ditaduras não levasse as nações a se tornarem independentes do sistema  elaborado desde 1958 para dominar o bloco europeu nas malhas do império capitalista internacional.

Portugal empobrecido sob a ditadura de Salazar que fez do pais "um jardim à beira-mar plantado" e negou todos os direitos trabalhistas (inclusive o do salário mínimo) levando a população à miséria, renasceu com a Revolução do 25 de Abril em 1974 que nacionalizou os pilares da economia nacional e incentivou a produção. Logo no primeiro ano a produção agrícola alcançou os maiores índices da sua história, abrindo caminho para a industrialização e a exportação. Ao mesmo tempo o Estado investiu em infra-estruturas e nos recursos sociais da saúde, educação, cultura e segurança social. Foi o Estado a enfrentar com responsabilidade e capacidade de gestão a austeridade para fortalecer a economia nacional e beneficiar a população.

Com a adesão à União Europeia em Janeiro de 1986, os políticos neoliberais em Portugal, deslumbrados com a possibilidade de expandirem o luxo dos europeus mais ricos a quem se associaram, abriram grandes estradas (algumas inúteis, que ainda hoje permanecem vazias dia e noite), cederam espaços públicos e reduziram impostos (que deveriam ser investidos no desenvolvimento nacional) às multinacionais que transformaram Portugal em um imenso "centro comercial". Do "jardim" da ditadura a nação foi promovida a "loja" de luxo. A perspectiva governamental é a mesma de Salazar, e o desprezo pelo povo igualmente criminoso. A nova ditadura foi sendo construída através dos endividamentos que fortaleceram o poder dos bancos e empresas financeiras multinacionais. 

Da luta entusiasta que assistimos em 1974/5 na Reforma Agrária, na formação de Cooperativas de Produção, na defesa das empresas nacionais pelos trabalhadores, passamos ao esbanjamento de espaço territorial e recursos financeiros cedidos pelos governantes para beneficiar um poder externo espoliador da riqueza portuguesa. Da riqueza material que deveria ser a base do desenvolvimento nacional e da riqueza cultural que fazia de cada português um cidadão consciente dos seus direitos e do dever de participar na construção de uma sociedade independente e justa, Portugal passou a arrancar as suas vinhas e laranjeiras que não combinavam com o padrão industrializado da União Europeia, destruiu a reforma agrária abrindo espaço para o turismo e acolhimento de estrangeiros não adaptados nos seus ricos países, retomou o caminho da emigração por razões econômicas. Voltou ao tempo da miséria e da subordinação aos desmandos governamentais.

A Associação Portuguesa de Centros Comerciais, criada em 1984 e filiada ao "International Council of Shopping Centers" e ao  "European Property Foundantion" com sede em Bruxelas, desenvolveu um mega projeto para dar escoamento aos produtos dos países membros da União Europeia. Em 2012 indica a existência de 9.286 pequenos (empresas que têm rede de lojas) e grandes comerciantes associados em Portugal que ocupam, com suas lojas, uma área bruta locável (sem somar a área subterrânea dos imensos estacionamentos) de 2.895.688 de metros quadrados distribuídos por todas as regiões do país, ocupando 100 mil trabalhadores diretos e 200 mil indiretos como mão de obra.

Com a crise na Europa, os grandes fabricantes de roupa, produtos de uso doméstico, quinquilharias e alimentos de pastelaria, passaram a oferecer nos Centros Comerciais, ao lado das suas mercadorias caras e de luxo, produtos de baixo custo (e de baixa qualidade) em algumas das grandes lojas, atraindo um setor da classe média que já se habituara ao comercializado pelos chineses um pouco por todo o país. 

Essa foi a forma escolhida para "educar", com a publicidade enganadora dos grandes centros comerciais, a população mais pobre que consome o mais barato e vê a imagem da superioridade dos que podem comprar produtos de luxo tida como o "ideal" de vida. Aos poucos vai-se definindo quem é "povo" e quem é "elite" no convívio consumista. É o contrário do que se recomenda para enfrentar a crise com austeridade, em substituição à consciência de cidadania dos princípios democráticos que a Revolução de Abril havia introduzido em Portugal.

Enquanto as estatísticas demonstram que as áreas de produção e floresta têm vindo a ser  reduzidas e que milhares de pequenos empresários industriais e comerciais vão à falência, multiplicam-se as grandes superfícies dos centros comerciais. Há algumas décadas essas estruturas de comercialização que engolem e aniquilam os pequenos estabelecimentos, apareciam em livros de ficção. Hoje é uma realidade, tão adversa aos costumes compatíveis com o poder aquisitivo dos trabalhadores, como os desastres ecológicos que ameaçam o planeta.

Portugal, com 10 milhões de habitantes (sendo que 2 milhões estão na linha de miséria, com salário abaixo do mínimo nacional) vivendo no território de 92 mil quilômetros quadrados, onde 13.800 Km2 é área urbana, ocupa perto de 3 mil km2 com grandes superfícies comerciais - as maiores da Europa - onde são vendidos os produtos que vêm dos países mais desenvolvidos. Ou seja, 3,2% da área territorial portuguesa é um luxuoso balcão para dar escoamento aos produtos estrangeiros. E, para que o consumo seja facilitado, foi construída uma imensa rede rodoviária com pouco movimento nacional para  servir aos visitantes e turistas. 

Desde a integração de Portugal à União Europeia o país vem sofrendo esta gestão governamental, que reproduz a da ditadura de Salazar, sem preocupação com o desenvolvimento da produção nacional e a formação do seu povo com os direitos de cidadania. Agora, com a crise financeira mundial, os países mais ricos e o FMI impõem a austeridade às populações empobrecidas e formadas na cultura de "cinderela" diante da riqueza da elite que se comporta como a velha monarquia passeando impunemente a sua beleza diante do olhar esfomeado dos que vão caindo no desemprego crescente.

Repetindo o comportamento da realeza na Idade Média, apregoa-se como "virtude moral" a austeridade para as camadas mais pobres, a dos trabalhadores e suas famílias, eliminando as importantes conquistas sociais e jurídicas alcançadas ao longo de quase dois séculos de lutas em toda a Europa.

O procedimento da União Europeia hoje, em relação aos países que aceitaram créditos bancários para praticar a nefasta gestão para a "mágica do enriquecimento" do modelo UE, segue os passos do Banco Mundial e do FMI que endividaram os países do Terceiro Mundo por mais de meio século com os igualmente nefastos projetos de "revolução verde" e de substituição de culturas agro-pastorís de sobrevivência, por produção para a agro-indústria controlada por empresas estrangeiras. Tais projetos de investimento foram largamente denunciados por especialistas inclusive do Banco Mundial (.  ) por beneficiarem empresas multinacionais de produtos químicos e agro-indústrias e destruírem as culturas tradicionais de sobrevivência das populações do Terceiro Mundo. Na India, hoje, procura-se recuperar o solo das regiões onde foi realizada a "revolução verde", tornado absolutamente árido com o uso de produtos químicos que extinguiram a vida natural que era a base da agricultura de sobrevivência local.  

A "extinção da vida não é força de expressão", é a realidade que ameaça a humanidade com a destruição do planeta, hoje bastante conhecida. A moderna gestão recomendada pela UE e o FMI leva à extinção das condições de vida dos povos. É uma chacina social.

Percebe-se com  facilidade a destruição da natureza - do solo fértil, das culturas agrícolas, dos pastos e das florestas. Em consequência desaparecem as profissões dos que aí trabalhavam extraindo da natureza o produto agrícola ou animal e os seus derivados, os artesãos das indústrias caseiras de queijos, pães e bolos, doces, mobiliários, carros e ferramentas de uso rural, tecidos etc. Menos visível é o desaparecimento da cultura tradicional que formava os seres no convívio social, que se sentiam protegidos na comunidade solidária com os seus hábitos e costumes equilibrados nas condições de vida existente. Surge a necessidade de emigrar e as ambições de adquirirem os modelos de existência dos ricos que a publicidade internacional divulga através de todos os meios de comunicação. A população é prejudicada, principalmente os mais jovens, por viverem uma  ficção construída criminosamente como se fosse a realidade da vida na sociedade enquanto o processo de produção e as condições de vida real vão sendo destruídas.

Zillah Branco

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O poder jurídico e a responsabilidade ética e históric




Maria do Carmo Medina, jurista nascida em Portugal em 1925, recebeu em Lisboa, no dia 24/10/2012 uma homenagem promovida pela Comunidade Angolana com emocionados depoimentos de renomados juristas portugueses e ilustres personalidades de Angola, da Embaixada e do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), na oportunidade do lançamento da segunda edição, ampliada, do livro "Angola - Processos da Luta pela Independência", Editora Almedina.

Po Zillah Branco*, de Lisboa


A vida e a obra de uma mulher que ocupou os mais elevados cargos na magistratura e foi jubilada como Juiz do Tribunal Supremo de Angola em 1997, revela os difíceis passos a serem construídos para a formação de uma estrutura judicial, fruto de uma guerra de libertação de uma nação colonizada, com base em pilares sólidos da ética e do humanismo. Apesar da vigência de um regime ditatorial e fascista que fazia uso da violência e daimpunidade para impedir que surgisse na antiga colônia um Estado de Direito baseado em princípios democráticos, a luta popular contou com a participação militante de vários juristas que enfrentaram todas as dificuldades e ameaças de destruição das suas carreiras e da própria vida, na criação de um poder judicial cuja essência invencível reside na pureza da ética e no vínculo concreto com a história que levou aquele povo à sua emancipação nacional.

A queda do Governo Ditatorial em Portugal no 25 de abril de 1974 e a libertação das antigas colônias em África derivam de um mesmo processo histórico e de consciência de luta que ao longo de décadas uniu militantes europeus e africanos na elaboração de condições de vida democrática tanto para o país colonizador como para a sua vítima colonizada.

É a relação íntima da história de luta de um povo com a criação do poder jurídico, que permite conhecer e defender o caminho democrático para a criação de um Estado de Direito. "O jurídico e o relato dos fatos se imbricam um no outro, tornando a investigação mais profunda e completa."

Alguns traços da vida e obra de M.C.Medina Maria do Carmo Medina, muito jovem, fez a escolha de uma difícil carreira: a de defender os que são ofendidos na sua dignidade humana e perseguidos por terem ideias próprias.

Utilizou como armas as instituições jurídicas presentes no Estado, à época opressor, condicionado pela ditadura. A estrutura jurídica do Estado referia os princípios conquistados pela humanidade e definidos como Sistema Jurídico pelas nações ocidentais, apesar de escamotear a sua dignidade com medidas de exceção que tornavam "legais" as práticas de ações arbitrárias contra a liberdade dos cidadãos Mulher de aparência frágil e vontade férrea, tornou-se um exemplo não apenas na luta pela emancipação das mulheres, mas na preparação de uma carreira jurídica que abriu caminhos democráticos numa estrutura de Estado dominado pela ditadura de Salazar.

Com a sua capacidade profissional introduziu a Justiça nos interstícios das instituições que eram usadas para impor o medo aos cidadãos e escravizar os povos. Levou como bagagem a sua formação em Direito, consolidada sobre uma base ética e de militância social adquirida no convívio com o MUD-Juvenil, a Casa dos Estudantes do Império e a organização musical "Sonata" dirigida por Fernando Lopes Graça, onde conheceu uma juventude disposta a acabar com a opressão ditatorial em Portugal e libertar as colónias. Naquele ambiente formaram-se grandes líderes que encabeçaram os movimentos de libertação em África - Agostinho Neto, Lúcio Lara, Amilcar Cabral e tantos outros.

Maria do Carmo também carregou consigo os conceitos humanistas do valor da família e do respeito pela integridade da mulher, das crianças, dos jovens e dos idosos que integram a sociedade e suportam o peso maior dos crimes do totalitarismo que asfixia a vida nacional. Trazia consigo o germe da lutadora pela justiça que amadureceu a sua formação de cidadã ao desvendar a realidade cruel da vida dos povos colonizados onde o Estado de Direito não existia por serem as colónias consideradas, no concerto internacional, como "feudos" do governo ditatorial. A legalidade, que de certa forma existia nos textos jurídicos da Metrópole, era traduzida pelas "exceções" que manchavam os princípios jurídicos retirando-lhes o valor aplicado aos "nativos" das nações colonizadas considerados como cidadãos "de segunda classe".

Os limites políticos à sua liberdade obrigaram-na a deixar o país aos 25 anos. Em Angola foi professora de Liceu até poder abrir um escritório de advocacia (o primeiro a ser aberto por uma mulher em Angola), onde passou a representar, junto às autoridades administrativas, funcionários angolanos relegados às mais baixas categorias de trabalho, a defender o direito de propriedade das famílias esbulhadas pelo poder colonial e, a partir de 1959, a defender os presos políticos e os que voltavam dos campos de concentração.

Em estreita relação com o MPLA, colaborou no projeto da Lei Fundamental e na Lei da Nacionalidade. No Estado de Angola independente, Maria do Carmo desempenha inúmeras funções - Secretária para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, Juíza do Tribunal Cível, Juíza Desembargadora do Tribunal de Relação, até ser jubilada como Juíza do Tribunal Supremo em 1997.

Além dos altos cargos que ocupou desde 1976 junto ao Governo da República de Angola, Maria do Carmo Medina colaborou com o Ministério da Justiça na elaboração de leis e regulamentos relativos ao Direito Cível, Direito de Família, Registo Civil, Direito Administrativo, Direito Penal, Organização Judiciária, matérias que vai lecionar no Curso de Advogados Populares, em Seminários de Formação de Magistrados, na Universidade Agostinho Neto até 2011.

Os inúmeros trabalhos que elaborou, editados ou apresentados em palestras em Angola e vários países da Europa, África e América Latina, consubstanciam os profundos estudos relativos à "Mulher", à "Família", aos "Menores", na abordagem dos seus direitos específicos, a violência que sofrem, as condições jurídicas e sociais que enfrentam na sociedade, os efeitos da guerra. Da realidade extrai os temas essenciais para a defesa dos mais oprimidos dando-lhes destaque no pensamento jurídico da nova Nação.

Agora é reeditada a versão ampliada do importante livro "Angola - processos Políticos da Luta pela Independência", pela Editora Almedina, com detida análise da questão referida como "separatismo", considerada pela Ditadura de Salazar como "comunismo", por abrir o caminho à independência das colónias e ao direito de autonomia nacional.

A releitura daqueles processos que contribuíram para que os demais países e a ONU tomassem conhecimento dos horrores praticados na Guerra Colonial contra os povos de África, e também contra os soldados portugueses obrigados pelo governo de Salazar a darem a vida pela ambição colonialista, soma o valor jurídico ao valor histórico, que é imorredouro, de uma luta tenaz pela democracia que enriquece os conceitos universais de Justiça.

Maria do Carmo participou na construção do sistema jurídico que estabelece num Estado de Direito as condições democráticas que são exigidas pela realidade angolana. Este é um modelo incentivador para muitos povos que ainda lutam pela independência das suas nações que, em pleno século 21, estão sob o controle de um poder externo imperial, e carregam os vícios de um passado oligárquico eivado de preconceitos e fórmulas de autoritarismo que impedem o desenvolvimento cultural e social do seu próprio Estado.

* Zillah Branco é socióloga, militante comunista e colaboradora do Vermelho