segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O conceito de austeridade e a responsabilidade pela vida



Agarrada à austeridade como palavra mágica para jogar a crise do poder financeiro sobre os trabalhadores e suas famílias, a direita sob o comando externo da Comissão Europeia, agora empenha-se em defender os privilégios dos ricos como se fossem os criadores do desenvolvimento da produção, dos empregos e da independência nacional. Não entendeu que a austeridade nacional com adequada distribuição dos meios de sobrevivência terá de acabar com os privilégios de uma elite apátrida. Qualquer pessoa que faça poupança, qualquer gestor(a) da economia familiar, entende o que é austeridade e a diferença em relação à exploração.

Surpreende a cegueira mental de Passos Coelho que diz ter o atual governo "dado com uma mão o que tirou com a outra, para manter a austeridade". Deixa de ver que a população tem dois lados: ricos e pobres, que a política tem dois lados: esquerda e direita, e que a opção de favorecer a maioria dos portugueses e não uma elite privilegiada, ou seja a nação como um todo e não o poder financeiro gerido por uma elite sob o comando de Bruxelas, é uma mudança fundamental no Governo de Portugal. A esquerda no Parlamento abriu o único caminho para que Portugal possa reconstruir as forças produtivas nacionais e superar a via do atolamento em créditos e corrupções adotada como mão única pela direita submissa à União Europeia.

Mas há muitas outras questões que a direita representada pelo PSD de Passos Coelho reduziu à expressão mais mediocre da submissão às ordens da Troika. A formação da União Europeia tem também duas faces: a da solidariedade entre nações e a unificação do poder financeiro nas mãos das elites dos países mais ricos. Com o aprofundamento da crise sistémica a união começou a desvendar as suas contradições que foram cobertas pelo asfalto das grandes estradas, o uso da lingua inglesa como idioma predominante, os mega-shows de uma suposta arte global, a transformação do futebol em primeira notícia, a exportação de bens e de mão de obra qualificada em troca do turismo como fonte de renda, tudo com moderna tecnologia em substituição à produção das riquezas e ao desenvolvimento nacionais. Enfim, veio à tona com as consequências das guerras promovidas pela NATO, as verdadeiras intenções da elite mundial que se reuniu em Bildemberg para traçar o caminho da subordinação das nações europeias a um poder financeiro imperial que deu à luz o Euro como simbolo de uma falsa união dos povos, que funciona como algema.

À face rica da UE, que apresenta planos aos governos para aperfeiçoar a gestão económica e financeira e condicionar a administração pública das nações dependentes, que autoriza financiamentos e créditos aos bons alunos, que paga régios salários aos assessores, opõe-se a dramática realidade da escolha oportunista, dentre os que fogem à guerra em busca de socorro, dos que convém serem reconhecidos como sobreviventes nas sociedades europeias. O volume descomunal da emigração desesperada dos refugiados, criada pelas guerras apoiadas pela UE, deixou visível a incapacidade de organizar recursos para salvar pessoas e o desinteresse pelos seres humanos que não se oferecem apenas como mão de obra qualificada e barata aos paises de acolhimento, ou seja, a face criminosa e pobre de humanismo que arrasta as nações para um abismo.

Os dois lado da realidade, a direita e a esquerda na ação política, as duas faces de quem exerce o poder, existem sempre para que os seres humanos escolham o seu caminho na vida. Os disfarces para iludir os mais distraidos acabam por cair quando a crise atropela os que se agarram ao poder. Não é novidade para ninguém, a não ser para os distraidos como Passos Coelho e seus seguidores, ou os que julgam que os povos são cegos.

Em Portugal hoje está claro que os créditos recebidos foram aplicados principalmente em bancos que, mal geridos e protegidos pelo Banco de Portugal (que assina em cruz o que Bruxelas manda), pagaram grandes salários aos seus executivos, congelaram os depósitos de clientes populares e foram à falência. A austeridade deveria ter sido aplicada no setor financeiro e nos rendimentos dos mais ricos. Austero quer dizer responsável, controlado, capaz de bem gerir os recursos existentes. E a favor de Portugal independente, não de uma Troika que anda experimentando planos de desenvolvimento financeiro sem conhecer os efeitos econômicos e sociais sobre a população portuguesa, como hoje fazem os laboratórios da indústria química internacional inventando medicamentos que matam e fertilizantes que destroem o solo produtivo.

Zillah Branco

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Como entender a abstenção de metade do eleitorado



Para quem participou da campanha eleitoral e disputou a escolha democrática a ser feita pelo povo, a decepção leva a pensar que "a metade do número de eleitores não assumiu a sua responsabilidade de cidadão para escolher quem o irá representar" ao nível da política nacional.

Para quem tenta compreender porque esta maioria recusa dar o seu voto, fica a dúvida sobre a confiança que têm no processo eleitoral como uma realização democrática.

Cabe a dúvida quando vemos o pêso determinante da comunicação social na preparação dos "seus" candidatos, na promoção meticulosa com filmagem que destaca a qualidade de uns e os defeitos de outros. Cabe ainda a descrença em todos os partidos que aceitam as regras pré-estabelecidas para participarem deste jogo, que se diz democrático, espelhando apenas as posições aceitáveis no equilíbrio entre os partidos que se confrontam. Não são tocadas as divergências de fundo que os separam.

Havendo um acordo que estabelece os limites temáticos a serem abordados e um controle na manutenção do respeito formal pelos opositores, alem dos pressupostos iniciais sobre os que dirigem o jogo, grande parte dos eleitores sentem-se postos para fora do combate, ou seja, foi destruida a democracia real. E mais, os que se confrontam não são reconhecidos como lideranças dos setores que se abstêm.

Outra razão para negarem o seu voto é a experiência de eleições anteriores que não corresponderam ao que os seus eleitores esperavam: seja por não conseguirem eleger os seus escolhidos, seja por terem sido iludidos por falsas promessas, ou ainda por alegarem outros poderes mais altos que impediram a realização do prometido.

A realidade vivida é nua e crúa, para qualquer pessoa entender, mas as explicações sobre as crises mundiais, os ciclos económicos, as exigências de um poder externo, o mercado internacional e suas oscilações, assim com as falências bancárias e os processos que se arrastam contra os respondáveis pelas fraudes milionárias que não cumprem penas, estas variáveis que são explicadas quase como fatalidades, poucos entendem e aceitam.

Uma parcela cada vez maior do eleitorado não acredita nas explicações políticas porque não vê, ao longo de décadas, qualquer caminho para resolver os seus problemas que são cada vez mais graves. Deixou de acreditar até mesmo nos argumentos contrários que os partidos usam nos seus debates. Passou a olhar a todos como pertencentes a outra sociedade diferente da sua, a uma elite média.

Para agravar esta descrença, que muitas vezes projetam para a humanidade, o mundo moderno vive uma contradição inaceitável de evolução no conhecimento e retrocesso no comportamento dos poderosos: guerras injustas, invasões, massacres, tráfico de mão de obra barata, de crianças para prostituição ou venda de órgãos, emigração forçada, venda de drogas, produção de adubos tóxicos, sementes e virus que destroem a natureza para que comprem produtos substitutivos às empresas exploradoras, uso de pessoas como cobaias pela indústria farmaceutica, filmes e lívros didáticos para ensinar técnicas de violência aos jovens, organização de grupos terroristas, enfim o caos que liquida a paz e a estabilidade no planeta.

As instituições políticas não tratam tais assuntos, apenas fazem alguns pronunciamentos como protestos e pedem aos povos que manifestem a sua solidariedade. E ano a ano crescem os crimes formando as novas gerações no desespero, na oposição aos princípios éticos, na descrença. O esvaziamento por abstenção não é só na corrida às urnas, è na possível ação política de todos os quadrantes. Democracia é utopia?

Para arejar este ambiente bafiento e depressivo distribui-se alegria empacotada, em pilulas ou doces, mas principalmente em grandes eventos cheios de brilho e ruido ensurdecedor para que não haja espaço e tranquilidade para as pessoas pensarem e sentirem com os seus recursos humanos mais elementares. Tudo bem planeado para dar lucros aos investidores e distrair a opinião pública dos problemas mais graves, com aparente espírito democrático.

Zillah Branco