segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Estado Social "de vocação democrática"


O conceito de Estado Social surgiu na Europa para conter a vocação neoliberal de fazer o Estado (que, como disse Lenin, era um instrumento de domínio da classe dominante) não apenas um gerenciador das atividades econômicas, mas também da existência de toda a população.

Por Zillah Branco*

No final do século 19, da proposição de Bismark "de reservar uma parcela dos benefícios auferidos pelas atividades produtivas e conquistados pela ciência para socorrer caridosamente os mais pobres", criou-se um sistema de segurança social para assegurar a sobrevivência popular, nos moldes do que as Igrejas faziam como caridade, caracterizando os Estados Providência nos países mais desenvolvidos.

No bojo das duas grandes guerras e concomitante com a revolução socialista que levantara a bandeira da democracia num mundo moderno que tudo fazia para esquecer os princípios das revoluções francesa e americana, manteve-se a contradição entre a caridade exercida pelo Estado e a solidariedade institucionalizada para todo o povo. Não se tratava de uma questão semântica, mas ideológica, baseada na afirmação de que a riqueza é produzida pelo trabalho do ser humano e a terra e os produtos naturais do subsolo fazem parte do patrimônio nacional. Estes conceitos, que constituem a base do sistema socialista, formam também princípios cristãos incorporados pela Igreja Católica através das Encíclicas Papais e são matéria de identidade com outras religiões.

Portugal, na Revolução de Abril em 1974, levantou a bandeira do Estado Social que abriu numerosos caminhos para construir instituições com a participação popular de modo a responder às necessidades reais de cada setor da sociedade - na reforma agrária com a criação de empregos e de cursos de formação profissional através dos quais eram introduzidas novas tecnologias e aperfeiçoamento de sementes e cruzamentos de raças bovinas, ovinas e outras; nas Unidades Coletivas de Produção a formação para as funções administrativas, técnicas de manutenção das máquinas agrícolas, contabilidade e gestão, recorrendo ao apoio voluntário de profissionais especializados, construção de creches e formação de educadoras, organização de Centros de Dia para acolher e alimentar os idosos e preparação de pessoal auxiliar para Centro de Saúde; organização de pequenos e médios agricultores e formação de cooperativas de produção e de comercialização; a eleição de autarquias pelas populações de cada concelho do país com conhecimento das realidades específicas da região, os constantes debates sobre as condições de ensino e as características da pedagogia aplicada nas escolas, assim como no desempenho do sistema de saúde pública e da segurança social, permitiram alterar o funcionamento do Estado Social com a introdução de conceitos democráticos para a superação da velha estrutura adaptada ao regime ditatorial há meio século.

A dinâmica democrática trazida como uma lufada de ar puro pela Revolução dos Cravos abriu caminho para a transformação do Estado Ditatorial, que satisfazia a uma elite poderosa, num Estado Social regulado por normas e leis inspiradas nas conquistas democráticas recomendadas pelos organismos da ONU e aplicados nas instituições democráticas dos países mais desenvolvidos. Os debates públicos com a participação de todos os setores sociais de Portugal levaram à produção de um texto da Carta Magna com características das mais avançadas das Nações ocidentais.

Mesmo com a formação de governos neoliberais sob a pressão internacional regida pela nascente CEE com o apoio dos Estados Unidos, as conquistas democráticas que foram legisladas nos primeiros meses de 1975 quando o brigadeiro Vasco Gonçalves foi primeiro ministro, permaneceram como pontos de referência e de apoio aos democratas que seguiram resistindo às injustiças trazidas com a teoria do Estado Mínimo que sobrepõe as condições de desenvolvimento do mercado às da população portuguesa, destruindo o Estado Social.

O que se verifica agora sob o comando da Troika, é que o Governo de Portugal e o presidente da República estão mais preocupados com a imagem do país no exterior, principalmente no mercado externo, de que com a salvação da economia e da população diante da crise financeira. Esta foi a razão alegada por Cavaco Silva para aprovar o Orçamento "apesar das dúvidas que mantém quanto à justiça na distribuição dos rendimentos" e constatar que a economia do país está numa espiral de declínio que exige solução imediata. Caberá ao Tribunal Constitucional defender os interesses da população mais pobre que sofre o peso da austeridade imposta pela Troika, já que nem o Governo e nem o Presidente o fazem.

A oposição ao governo é de todos os partidos que não o integram e alastra-se por personalidades intelectuais e políticas pertencentes aos partidos do próprio Governo. Já não se percebe qual a força política que impede a substituição de um governo desacreditado até pelos expoentes do PSD do qual faz parte. O presidente da República deixou claro que reprova o programa para 2013, mas não tem coragem de convocar nova eleição com medo de que a oposição de esquerda vença.

O medo impede que se ponha um fim nos desmandos dos governantes que estão preocupados em arranjar crédito internacional (a ser pago com a austeridade que sacrifica toda a população) para cobrir as dívidas de particulares com os bancos privados. É uma situação vergonhosa de espoliação nacional por um grupo de fantoches comandados pelo FMI casado com a União Europeia.

Neste contexto a ideia de Estado Social começa a ganhar peso nas declarações de setores que antes não se uniam: partidos de esquerda, socialistas, igrejas, representantes do judiciário, estudantes, professores. Aos poucos são superados os interesses imediatistas de expressão eleitoral e combate ideológico, para se constituir uma profunda aliança de caráter patriótico e humanista para defender a independência e autonomia da nação.

* Zillah Branco é socióloga, militante comunista e colaboradora do Vermelho

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