terça-feira, 19 de junho de 2018

Agro-negócio vencido pela luta camponesa


Agro-negócio vencido pela luta camponesa

As sementes da luta em defesa das populações camponesas e da soberania dos povos germinam apesar da violência e o poder financeiro dos seus inimigos. Foi divulgado em Portugal, através da edição local do jornal "Le Monde Diplomatique" de Junho/2018, um extenso artigo escrito por Stefano Liberti () sobre "um projeto de açambarcamento de terras disfarçado de promessa de desenvolvimento" com o título "Os camponeses moçambicanos obrigam a agro-indústria a recuar".

É bastante gratificante ler em um jornal de grande circulação na Europa e em vários países do mundo, a explicação clara de que "os agro-industriais do Sul assemelham-se aos do Norte: sonham com lucros fáceis desenvolvendo uma agricultura comercial em detrimento dos camponeses que produzem generos alimentares. Assim nasceu o projeto ProSavana, que associa o Japão e o Brasil em Moçambique. Mas a resistência inédita dos camponeses dos três Estados permitiu parar a operação."

É preciso recordar que Moçambique conquistou a sua independência na sequência da Revolução dos Cravos de Abril de 1974. O primeiro Presidente da nação livre foi Samora Machel, lider da luta revolucionária anti-colonial, que estruturou um governo democrático capaz de defender com dignidade a soberania nacional, até ter sido morto em misterioso acidente aéreo em 1986. A Constituição de Moçambique, tal como de outros países africanos, estabelece que "a terra pertence ao Estado e não pode ser vendida". Esta prerrogativa, estabelecida em 1975 com a Independência, "concede às comunidades ou aos indivíduos um direito de uso e de aproveitamento da terra (DUAT) para cultivarem as suas pequenas parcelas agrícolas," produzindo o necessário para a alimentação local.

Moçambique enfrentou anos de conflito interno provocados pela Renamo contra o partido FRELIMO governante. Machel foi sucedido na Presidência por Joaquim Chissano até 2005 quando é eleito Armando Gabuza que apoiou o projeto ProSavana criado por "agências de cooperação" japonesas e brasileiras para implantar explorações agrícolas comerciais  no continente africano.

Ao mesmo tempo em que, sob pressão externa Moçambique era manipulado por "cooperantes" que acobertam investidores e aventureiros em busca de lucros fáceis ligados aos grupos agro-alimentares e às altas finanças onde aparecem pessoas ligadas aos bancos Sachs, Merrill Lynch e outros (), a população camponesa organizada durante a guerra colonial e os 10 anos de governo de seu lider Samora Machel formou a União Nacional de Camponeses - UNAC - que promoveu a mobilização popular a partir da aldeia de Nakari para resistir à implantação do projeto ProSavana conhecido como uma corrida às terras africanas substituindo as culturas tradicionais por "culturas rentáveis" (soja, algodão e milho) destinadas ao mercado mundial - apresentado pelo grupo Agromoz, financiado por capitais portugueses, japoneses da Agência Japonesa de Cooperação Internacional (JICA) e brasileiros da Agência Brasileira de Cooperação (ABC).

Escreve Stefano Liberti: "Por detrás da 'modernidade' de uma cooperação Sul-Sul 'ao serviço do desenvolvimento' o ProSavana destrói as relações de produção nos campos, transforma os pequenos camponeses em contratados das grandes empresas e faz de Moçambique uma placa giratória de produtos agro-industriais a exportar no mundo inteiro. Concebido em 2009 na Cimeira do G8 de Aquila, na Itália, o projeto pretende reproduzir um experiência lendária da savana tropical húmida de Mato Grosso.

O projeto foi elogiado em Novembro de 2011, por Hillary Clinton, secretária de Estado, e o magnata Bill Gates em 2011 quando o projeto foi apresentado no Forum de Alto Nível sobre Eficácia da Ajuda na Coreia do Sul.( )"

Entretanto, em 2012, na comunidade de Wuacua próxima de Nakari, escreve S.Liberti, "funcionários públicos foram pedir aos habitantes que assinassem alguns documentos prometendo verbas em dinheiro e a realização de projetos sociais." Eles não eram alfabetizados e não perceberam que na verdade estavam renunciando ao DUAT e eram forçados a abandonar as terras. "Pouco depois a Agromoz - uma empresa de capitais mistos brasileiros e portugueses, com o envolvimento de uma companhia moçambicana, conseguiu uma concessão de 9 mil hectares, para o cultivo de soja." (...) "Wuacua hoje é uma aldeia fantasma, cercada por plantações da Agromoz. Os vigilantes recrutados pela empresa não deixam ninguém aproximar-se. A terra está nua, à espera de ser semeada."

Os pequenos agricultores de Nakari, segundo S. Liberti, "souberam pelos jornais, referido por Jeremias Vunjane da Ação Acadêmica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais (Adecru) de Maputo, que < nos bastidores da "parceria inovadora" (atuava a GV Agro ligada à Fundação Getúlio Vargas, dirigida por Roberto Rodrigues (que foi ministro da agricultura no Brasil e consultor da empresa mineira Vale que extrai carvão na região de Tete) a quem se deve o paralelo entre o Mato Grosso e o Norte de Moçambique e a lenda de um desenvolvimento das monoculturas nestas "terras inexploradas".> ( )

Alertados pelos membros das associações camponesas a nível nacional, UNAC, que acompanhavam as opiniões de técnicos do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas como o antigo relator Olliver De Shutter (), entraram em contacto com as organizações similares no Brasil e no Japão, investigaram os objetivos comerciais, financeiros e aventureiros que estão por trás deste açambarcamento das terras onde há plantios para alimentação e da destruição da cultura camponesa na Africa, tal como já ocorre no Brasil e em outros países em que impera o agro-negócio. Stefano Liberti refere o depoimento de Carlos Ernesto Augustin, da Associação dos Produtores de Algodão do Mato Grosso: "Moçambique é um Mato Grosso no meio de África, com terras gratuitas, poucos obstáculos ambientais e custos de transporte das mercadorias para a China muito mais baixos"().

Jeremias Vunjane, da Adecru, associação de Maputo, relata (a Stefano Liberti) que em Novembro de 2012 uma delegação de cinco pessoas ligadas à Adecru e à Aram (Associação Rural de Ajuda Mútua) viaja para o Brasil para conhecer a situação de Mato Grosso onde ficaram em estado de choque ao percorrerem centenas de quilometros plantados com soja, sem árvores e sem comunidades camponesas. "O território está todo desarborizado. Não há nenhuma forma de vida, porque a utilização de pesticidas e de adubos criou um deserto. A perspectiva de ver a nossa terra transformada numa paisagem tão vazia pareceu-nos um pesadelo".

Quando as associações de camponeses conheceram o Plano Diretor, compreenderam que estavam a ser enganados. O documento elaborado pela GV Agro e por duas empresas de consultoria japonesas, a Oriental Consulting e a NTC International fala em "desviar os agricultores das práticas tradicionais de cultivo e de gestão das terras para práticas agrícolas intensivas baseadas em sementes comerciais, insumos químicos e títulos fundiários privados", deixando clara a intenção destruidora da vida camponesa local.

Situada perto de Wuacua está a comunidade de Nakari, do distrito de Malema, onde está presente a União Nacional de Camponeses (UNAC), de Moçambique que, pela palavra de seu representante Dionísio Mepoteia, entrevistado por S. Liberti, apoiando a decisão dos camponeses de recusarem o açambarcamento das terras da comunidade declara: "O governo está num impasse. A nossa luta permitiu-nos ter uma primeira vitória histórica. Impedimos a pilhagem e reafirmamos que a terra só nos pertence a nós, que a cultivamos há muitas gerações".

A mobilização, que começou por ser um movimento local, desencadeou uma campanha de resistência internacional. A história da expropriação de terras de Wuacua passa de boca-a-boca desafiaram o governo. "Um conjunto de 23 organizações moçambicanas escrevem uma carta aberta aos governos do Japão, Brasil e Moçambicano de denúncia ( ) e cerca de 40 organizações internacionais co-assinam o documento.(...) O ProSavana  é suspenso" , conclui Stefano Liberti.

Zillah Branco

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