sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O caminho das aves






O camarada Zé Casanova partiu antes da hora, deixando imensa saudade até para os que vieram a conhecê-lo pela leitura de "O caminho das aves" (que cumpre a função de dar continuação ao "Até amanhã camaradas", de Manuel Tiago, para os que estudam a história da militância comunista em Portugal).


A profundidade da formação do militante comunista - a partir da sensibilidade à realidade social, das leituras dos textos ideológicos (filosóficos ou de ficção literária), do mergulho no sentimento humanista - ultrapassa fronteiras geográficas, culturais, geracionais. É universal e internacionalista.

Identificados pelo momento histórico vivido por Casanova, derramamos as mesmas lágrimas, vibramos com as mesmas vitórias revolucionárias, descobrimos a realidade da vida com os mesmos sofrimentos e frustrações, mesmo separados por um oceano com 10 mil quilómetros de largura ou falando outro idioma. Somos camaradas.

Mas, temos muito a aprender com a figura forte do jovem Francisco que sabe ser tolerante porque põe a amizade e o respeito pelas diferenças pessoais acima do comportamento assimilado sem crítica ou programado burocraticamente. Alma pura, sem medo de errar, constrói o seu caminho sempre ligado ao dos que o cercam. Defende os desconhecidos que sofrem criminosas repressões, sabendo que será punido por isso; faz- se amigo de quem foi formado por uma sociedade na profissão de "carteirista" sem perder, no entanto, o respeito pela ética. Não pretende conquistar a supremacia política (ou de elite) mas, sim, integrar-se na multidão dos humanos que lutam pelos seus direitos. Não faz concessões de princípio ideológico e enfrenta as consequências dos seus actos.

Põe em causa hábitos herdados de uma cultura marcada por preconceitos ancestrais em relação às mulheres, à fidelidade, aos egoismos na dependência do amor familiar que são considerados "obrigatórios", que confunde liberdade com o uso de um poder alcançado por ser jovem saudável e ser amado (talvez mimado) ou por sentir-se superior pela habilidade com que manipula, com presunção de adolescente, informações teóricas mal digeridas. Francisco olha-se de fora para dentro, como num espelho invisível, e alimenta uma busca permanente da verdade que abre caminhos positivos de participação solidária na vida que se confunde sempre com a militancia.

Pensa com a própria cabeça, fala com as próprias palavras, reconhece o valor das discordâncias, insiste nas suas razões ou, então, corrije-se. O Partido resulta deste embate de idéias, caminha colhendo os frutos das diferentes opiniões, mergulha na História que é local, nacional, universal. Não é um arquivo de informações para serem analisadas por uma elite, não recebe os adeptos como um Muro de Lamentações onde são deixadas mensagens em frestas, mais profundas ou mais superficiais, que o vento e a chuva destroem sem serventia enquanto o autor espera uma resposta ou uma trovoada. O seu Partido é a amplificação da família (que falta a órfãos ou rejeitados ideologicamente), que acolhe e consola, que forma e conduz ao trabalho coletivo, que responde às dúvidas e ouve as sugestões pensando junto, é a essência da amizade por quem define a própria vida ao forjar a conduta íntegra.

Por tudo isso o Partido é a referência para as aves que emigram, porque a história e as variações climáticas assim as obriga, e que um dia conseguem voltar em busca do ninho dos seus sonhos de uma vida inteira e da memória dos amigos inesquecíveis que já partiram.

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