terça-feira, 25 de agosto de 2015

Os estertores do velho sistema



A morte de um monstro impressiona pela soma desesperada das forças em declínio para a última tentativa de resistência à morte. Impressiona, assusta, amedronta, os que o conheceram vivo sempre a ameaçar de formas diferentes, parecendo muitas vezes inofensivo e até amigo para os que vivem o seu dia a dia de trabalho na luta pela sobrevivência e um pouco de alegria. Não se pode calcular o tempo que o estertor poderá durar, nem as agressões que ainda serão causados por aquela poderosa força que viveu da absorção de milhões de vidas sacrificadas em seu benefício.

Povos antigos criaram histórias que registam na figura de animais com o corpo misturado com características humanas, constituindo símbolos das forças do mal que permanentemente destruíram a paz entre os homens trabalhadores e entristeceram a vida das famílias e seus filhos que cresceram no medo. Alimentaram a idéia de que um dia surge um herói capaz de matar o monstro e salvar a humanidade. A forma mitológica não prepara os povos para uma compreensão de que o "mal" está presente nas ambições de uns sobre os outros, no oportunismo dos que enganam os mais ingénuos, no abuso das capacidades de quem é mais forte explorando e até escravizando os que dele dependem. Nem sempre o "mal" tem a cara de "mau", mesmo porque as suas capacidades empreendedoras lembram os heróis.

Com tais crenças tradicionais, o monstro maligno foi apoiado através dos tempos pelos povos que consideraram normal e cômodo submeterem-se ao comando de uma elite capaz de organizar a vida em sociedade distribuindo as migalhas da sua crescente riqueza produzida pelo trabalho de todos, como salários mínimos e algum apoio social para que o povo continue a viver e possa comprar produtos para que o dinheiro circule.  

Mas as sociedades começaram a despertar e a pensar sem medo sobre as injustiças criadas por uma elite nem sempre respeitável nem admirável pelas suas qualidades pessoais - revelam pouca inteligência, desonestidade, luxúria, esbanjamento, oportunismo, mentiras, incompetência, mesmo na sua função de administrador e gestor das questões públicas - na defesa do sistema monstruoso que os mantém no poder.

Elite capitalista privilegiada

A descoberta de que a elite (que representava os heróis pelas suas qualidades pessoais e capacidades de proteger os que a ela se subordinavam) tem defeitos e ambições que a levam a explorar e trair os interesses dos povos, corresponde ao desenvolvimento de uma consciência democrática que desencadeia a participação popular na condução política da sociedade. Os trabalhadores e toda a população dependente, portanto a classe mais pobre, dá início á sua formação, ao seu desenvolvimento de cidadão, à luta contra os erros (para os que são escravizados) de administração e gestão impostos pela elite que acumulou as riquezas para seu uso pessoal. Inicia-se um período revolucionário de distribuição igualitária dos benefícios através dos serviços públicos de um Estado Social.

Na medida em que a elite luta pelo seu poder haverá confrontos com os que lutam pela democracia no estabelecimento dos princípios de igualdade e de liberdade social. A fraternidade será fruto da justiça com o fim da exploração dos mais carentes e dos preconceitos - de origem étnica, de opções ideológicas e religiosas, de gênero, de capacidade física, etc.

As mudanças não ocorrem de um dia para outro. A consciência de cidadania depende da formação mental, dos movimentos sociais, do esclarecimento sobre a informação que é deturpada pela mídia, por vencer os medos que os mais pobres têm de perder a capacidade de sobreviver. Há milênios que as elites controlam os povos com ameaças de fome e morte e distribuição de parcos recursos para que trabalhem sem contestar as condições. Criaram mitos que justificam tal situação como uma realidade insuperável. Controlam as mentes selecionando as informações divulgadas, limitam o ensino de acordo com a riqueza de cada um, também o atendimento à saúde é feito de acordo com os privilégios de classe. Vendem as casas, a água, a energia, o transporte, a segurança civil, a previdência social para os incapacitados, e cobram impostos sobre todos os produtos que circulam na sociedade.

A história das lutas, reveladas pelos livros e pelos militantes revolucionários, é permanentemente combatida pelas forças armadas da elite. Matam, prendem e destroem os registos, para que os povos não os sigam. As grandes descobertas científicas, feitas em benefício da humanidade, foram usadas para destruir inocentes, como: a bomba atômica, os aparelhos óticos de longa distância, os aviões, submarinos, os raios-X, a internet, os medicamentos e produtos químicos aplicados à natureza, a seleção dos vírus e bactérias. As diferentes idéias são utilizadas para promover conflitos sociais, e destes chegam às guerras que enfraquecem nações para que os mais fortes ocupem or ricos territórios com o pretexto de pacificação e roubem as riquezas lá existentes.

A crise do sistema

Falamos nos "estertores" do capitalismo ao assistir as crises que o sistema enfrenta  chegando ao fim da sua fase de produção e mergulha na de concentração financeira como fruto da mesquinha tendência da usura que dominou a elite. Parece a morte de um monstro que devorou os que o construíram. É uma etapa da evolução de um processo que teve como ideal o enriquecimento. Cabe à humanidade, que foi explorada e se tornou a vítima da ambição usurária da elite, impor um novo processo construtivo com o ideal social, do bem comum para salvar os povos e o planeta.

A elite, para sobreviver como parte do coletivo social, deverá desenvolver a consciência de cidadania e as suas capacidades construtivas como todos, sem controlar o poder que será gerido democraticamente.

A América Latina tem caminhado neste sentido e várias nações despertaram para a necessidade de iniciar programas de democracia cidadã. Sem confrontos bélicos os partidos de esquerda conquistaram os Governos aliados aos setores produtivos da elite nacional. Deram maior importância ao desenvolvimento de áreas antes abandonadas e a populações até então marginalizadas e vivendo na miséria.

A semente deste comportamento político deve-se a Cuba, que suportou mais de meio século de bloqueio económico imposto pelo imperialismo que pretendia assim destruir o sistema socialista implantado. Além de sobreviver como nação independente Cuba desenvolveu a educação e a saúde a nível dos países mais ricos do mundo e manteve a sua produtividade de modo precário por falta de investimentos mas equilibrado para atender de forma igualitária as necessidades básicas de toda a população. Destacou-se no mundo como nação solidária com os povos em luta pela sua independência na África com as suas forças armadas que sempre garantiram a integridade nacional quando agredidas pelos Estados Unidos. Diante do caos que domina os países mais ricos e mais anti-democráticos do planeta, Cuba emerge com uma riqueza insubstituível de características éticas e humanista.

O surgimento de Hugo Chaves como um grande líder na Venezuela que abriu caminho para o que chamou "Revolução Bolivariana", reforçou o exemplo de Cuba que também foi buscar inspiração em heróis latino-americano, como José Marti, para congregar os seus apoiantes nas fileiras populares com tradição de luta histórica contra o colonialismo. Todas as nações da América do Sul e Central desenvolveram movimentos libertadores de ditaduras impostas pelo imperialismo e foram, uma a uma, elegendo para os Governos lideres de esquerda coligados com forças políticas defensoras de um capitalismo nacional que se via oprimido pela matriz mundial aliada ao imperialismo.

No Brasil a eleição do Presidente Lula foi de extrema importância por se tratar do maior país do continente que retomou a linha do nacionalismo aberta por Getúlio Vargas que criou as grandes empresas estatais e a legislação do trabalho. Em 12 anos, um presidente que tem apenas o diploma primário colocou mais estudantes na universidades e três vezes e meia mais estudantes em escolas técnicas do que antes foi feito em 100 anos. Este Presidente operário levou energia elétrica gratuita para 15 milhões de pessoas, não deixou que fosse privatizado o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e os bancos do Espírito Santo, de Santa Catarina e do Piauí. Nos últimos 12 anos 70 milhões de pessoas puderam ter conta bancária, gente que entrou numa agência bancária pela primeira vez sem ser para pagar conta (discurso no sindicato dos bancários do ABC no dia 24 de julho de 2015: Jornal do Brasil online de 25/07/2015). Some-se a isto a distribuição de Bolsa Família a 11 milhões de famílias que viviam na miséria e sem documentos de cidadão - certidão de nascimento, registo em qualquer instituição de Estado para ter acesso ao serviço de saúde, escolas e segurança social. O reconhecimento de que o Brasil deveria apoiar a independência das demais nações latino-americanas levou Lula a retirar a Petrobrás do território boliviano onde explorava as jazidas de gás e a pagar o justo valor pelo uso da energia elétrica fornecida pelo Paraguai. Lula deu voz aos pobres e aos habitantes da periferia de uma sociedade capitalista dependente. E isto assustou o grande império e seus vassalos nacionais.

A criação do Mercosul permitiu um intercâmbio fraterno entre as nações latino-americanas tanto ao nível das trocas comerciais como no apoio ás lutas de cada um contra o poder imperialista, as questões internas derivadas de guerrilhas contra governantes comandados pelos Estados Unidos (como a Colombia) ou as dívidas impagáveis contraídas com o FMI (como ocorreu com a Argentina). A criação da ALBA e da CELAC completaram as organizações de unificação das nações latino-americanas para a sua defesa perante o mercado internacional que é comandado pelo imperialismo e não para centralizar o poder nos países mais ricos que exploram os mais pobres (como faz a União Europeia).

A crise do sistema capitalista libertou da pressão imediata do imperialismo o continente latino-americano que cultivava e disseminava a luta vitoriosa de Cuba Socialista. A Nação  líder, norte-americana, do imperialismo procurou fortalecer-se na Europa unida por organismos militares (NATO) e financeiro (Banco Central Europeu e FMI) e sugar as economias do Oriente Médio e da África já que não conseguia manter as garras na América do Sul como antes.



As nações mais pobres são as vítimas

De facto a UE com os Estados Unidos, reforçaram o sistema na sua função de domínio de tipo colonial sobre as nações europeias mais pobres, substituindo as guerras e invasões ( do Afeganistão, Iraque e Paquistão) por um trabalho secreto de provocação de conflitos internos contra os respectivos governos nacionais no Oriente Médio e Norte da África. Primeiro surgiram no leste os movimentos floridos, que destroçaram a antiga Iugoslávia e enfraqueceram as antigas repúblicas socialistas e a Ucrânia. Depois foi a Primavera Árabe que trucidou o Egito, a Líbia, a Eritreia, a Somália), e pela mão de Israel a guerra permanente contra o Estado Palestino. Com a formação do grupo terrorista "Estado Islâmico" (com militares remanescentes dos mercenários utilizados nas guerras) o imperialismo o usa como ponta de lança para atacar sobretudo a Síria. Mas a produção e organização de jovens terroristas foi um tiro no pé das sociedades mais ricas onde a juventude é mantida alienada para dar menos trabalho, mas que querem ser "heróis" como mostram os filmes da Fox e milhares de revistas de entretenimento perverso.

A presença forte e pacifista da China e a formação de uniões como BRICS e as que unem China, Vietnam, Rússia e outras nações da Ásia, é um forte anteparo ao avanço imperialista à oriente. Começam a ressurgir organismos de unificação dos países africanos que já têm presença na defesa internacional dos Direitos Humanos. E a América Latina é um exemplo que assusta a elite mundial.

Escravidão e genocídio

Desta guerra não declarada morrem milhares de civis e outros tantos, de uma classe média com alguma posse e formação escolar, fogem desesperados para a Europa através de um sistema criminoso de agentes que os metem em barcos para serem abandonados pela tripulação e ficam à deriva no Mediterrâneo. Como não surgem os que promovem a guerra, os países capitalistas assumem posições de falso humanismo para receberem os foragidos que, no melhor dos casos são alimentados e mantidos em campos provisórios com apoio voluntários das organizações de caridade. São os modernos "campos de concentração". As condições em que são conduzidos para os países ricos em busca de uma vida equilibrada, com risco de morte por afogamento e insolação/ desidratação, evidentemente é acompanhada (senão organizadas) pelas polícias secretas do imperialismo que criam um cenário confuso como filme de detetive. Salvos no Mediterrâneo são despejados na Itália e Grécia enquanto a União Europeia discute as "quotas" de "solidariedade" que cada país terá de suportar. Morrem milhares por afogamento e cansaço, então põem um super-barco e comboios nos caminhos de ferro para transportá-los para o interior da Europa mais à leste para proteger a Austria e a Alemanha. A face "humanista" aparece, mas não se sabe por quanto tempo, pois as guerras e o terrorismo criados para salvar o sistema prosseguem sem controle.

O panorama financeiro do sistema é contraditório porque serve para alimentar grandes fortunas pessoais e bancos privados por onde circula o "dinheiro podre" da especulação imobiliária que estoura periodicamente como "bolhas" e o resultado da "lavagem do dinheiro" obtido de maneira fraudulenta. Os poderes judiciários em algumas nações (Portugal, por exemplo) têm denunciado e levado à prisão renomados banqueiros e políticos corruptos, mas o dinheiro não retorna aos contribuintes lesados nem ao Estado que assume as dívidas e privatiza as empresas nacionais.

Visivelmente o sistema está falido, o que começa a ser reconhecido por altas personalidades conservadoras. Mas ainda não há força de esquerda capaz para criar uma alternativa socialista porque o sistema financeiro é mundial e amarra todas as medidas de produção e comercialização nas moedas padrão, dollar e euro. Os conservadores que defendem a dignidade do cidadão, afastam-se de uma camada de oportunistas que se apresentam como gestores políticos e prestam serviços ao imperialismo que os promove. É hora de aprofundar as discussões sobre as metas do capitalismo e as do socialismo e estabelecer um plano de trabalho para salvar a humanidade com dignidade.

Ignorância e ódio anti-revolucionários

A evolução da humanidade carrega conquistas positivas no pensamento científico e na produção económica e, ao mesmo tempo, fortalece uma elite privilegiada exploradora e autoritária que combate os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade que são a base da democracia. Tal contradição corresponde às formulações políticas de direita, para a elite e seus subordinados, e de esquerda para os trabalhadores e militantes revolucionários. O antagonismo dessas duas forças sociais é insuperável.

A social-democracia demagogicamente se apresenta como "capitalista à esquerda" como se fosse possível defender ao mesmo tempo o explorador e o explorado, os ricos e os pobres, os que mandam e os que obedecem. Dependendo das condições históricas dominantes, podem ser feitas alianças nacionalistas, pelos social-democratas, com a esquerda (nas guerras contra o fascismo, no desenvolvimento nacional contra as oligarquias ou o poder externo colonizador, por exemplo) que serão transitórias. Mas, mesmo durante este período de alianças, o caminho da esquerda é pela defesa dos setores mais pobres da sociedade e o desenvolvimento de uma consciência de classe e de cidadania e o dos capitalistas é pela concentração do capital que sempre depende do poder financeiro mundial. A esquerda permanecerá na defesa das empresas nacionais e a direita favorecerá a privatização para obter capital em prejuízo do poder nacional  que garante a independência.

Dinheiro não falta! Vergonha, sim!
Em Portugal as grandes empresas públicas privadas têm lucros milionários; os clubes de futebol pagam grossos salários e distribuem prêmios bilionários; o jogador de futebol Cristiano Ronaldo oferece uma ilha grega privada como presente de casamento ao amigo e compra um apartamento de mais de 16 milhões de dólares nos Estados Unidos; a medicina privada dá lucros; também o ensino privado é uma mina; a indústria do turismo faz hotéis de alto luxo em terras da Reforma Agrária; o povo miúdo e médio emigra em busca de emprego e amarga na austeridade, pois alguém tem de enfrentar o dever de pagar uma velha dívida feita em nome de Portugal. Um ex-Primeiro Ministro e um dos grandes gestores do centenário Banco Espírito Santo estão presos. Faltam outros que andam por aí inventando maneiras de ficarem com as poupanças de quem confiou no sistema capitalista para poder ter uma velhice tranquila depois de uma vida de trabalho pesado.

A União Europeia faz chantagem para dar à Grécia o dinheiro de sobrevivência e, aliada ao FMI desempenha as funções complementares para que o imperialismo provoque distúrbios internos em países do Oriente Médio, na África, na Ásia, na América Latina, com o Estado Islâmico como ponta de lança para justificar invasões, uso de drones mortíferos, ameaças militares em bases de países democráticos e festas para promover o turísmo em substituição à agricultura, a pesca, o pequeno artesanato, o comércio que foi espoliado pelos impostos.

O crime organizado espalha os seus produtos: drogas, prostitutas, medicamentos para desvarios sexuais, e agora, barcos para levarem os fugitivos, como escravos, do horror das guerras para o alto mar. E ninguém reclama dos organizadores desta chacina monstruosa!

A esperança ainda é a "Revolução dos Cravos"

Em 1979, Vasco Gonçalves divulgou um opúsculo sobre "uma nova doutrina da defesa nacional ajustada ao novo Estado democrático-constitucional". Refere  as grandes transformações operadas nas estruturas sócio-económicas com a queda do fascismo e o fim do império colonial, as modificações das relações de força entre as classes sociais e a Constituição da República que recolhe e consagra essas transformações como conquistas irreversíveis do povo português, institucionalizando as bases de uma nova organização política e económica e as novas missões constitucionais, interna e externa, impostas às Forças Armadas.

"Com as grandes transformações (...) foram criadas condições para a superação das contradições antagónicas(...)" antes existentes sob o domínio de camadas sociais ligadas aos monopolistas e os latifundiários ligados ao grande capital internacional e o imperialismo que "são inimigos externos do novo regime democrático-constitucional".

Para recuperar a dignidade nacional daquele momento histórico é preciso assumir o dever ético de lutar pela integridade dos povos que hoje estão sendo engolidos pelo monstro. Que se abra uma nova fase de solidariedade real, histórica, de emancipação da humanidade com todas as suas diferenças postergadas pela urgência da libertação do caos a que as ambições mesquinhas criaram.

Zillah Branco

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