quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A cultura nacional e o Estado


Publicado no Vermelho
28/09/2011

A modernização das instituições nacionais abre caminho para um novo comportamento social, mas será apenas uma alteração cosmética e formal se não for acompanhada de uma mudança cultural efetiva, registrada historicamente.


Isto se conclui da leitura da “Formação do pensamento político brasileiro”de Francisco C. Weffort, onde fica bastante claro o caminho histórico pelo qual foi conduzida a formação do Estado brasileiro durante o Primeiro Reinado e a Independência, com raízes conservadoras levadas de Portugal em 1808, mas incluindo novos conteúdos com características liberais que despontaram na história dinâmica do povoamento que revelou um povo miscigenado que constituiu a base da nova nação.

Esta análise conduziu o autor a esmiuçar a história do ISEB nas décadas de 1950 e 60 onde as tendências culturalistas e economistas foram confrontadas instalando o debate intelectual sobre o desenvolvimento e a ideologia que deveriam presidir as políticas nacionalistas no Brasil. Citando Hélio Jaguaribe e Celso Furtado, identifica no processo histórico brasileiro duas datas (1850 – a repressão ao tráfico de escravos e 1930 – em que o país foi compelido a produzir internamente o que antes importava) que abrem o caminho para que o Brasil deixasse de ser um país semi-colonial para buscar o seu caminho de desenvolvimento considerando a realidade social marcada pela “igualdade entre os indivíduos” como pressuposto para o Estado adequado à sociedade.

Do desenho de modelos institucionais ao exercício de uma ideologia coerente com os seus pressupostos democráticos, provavelmente transcorrerá mais um século se seguirmos o ritmo do passado. Da constatação da igualdade entre os cidadãos, no plano das ideias, vai um passo revolucionário para a criação de mecanismos constitucionais capazes de reconhecer e servir de instrumento de superação das desigualdades mantidas pela estrutura de poder político, econômico e social vigente, apesar da vestimenta democrática que a história vai criando. Deve-se reconhecer que o pensamento politico brasileiro que inclui o discurso sobre a democracia, ainda reflete uma ideologia paternalista da elite que detém o poder.

Distância entre o estático (teoria) e a dinâmica (prática)

A cultura nacional estabelece limites que o pensamento político denuncia mas que só vai ultrapassar depois de criar todo um sistema jurídico que o proíba. E ainda levará tempo para que tal sistema seja implantado e a sua execução possa ser fiscalizada em todo o território (onde as desigualdades sociais existem e as regionais persistem). Exemplo visível desta marcha lenta foi o abandono do preconceito racial que durante a colônia foi denunciado, serviu de referência para condenar a escravidão no século 18, mas só no século 21 deu origem a uma lei que proíbe a discriminação. E é preciso o povo estar atento para não deixar passar as frequentes arbitrariedades que grupos com algum poder cometem confiantes na sua impunidade.

Neste momento delicado que vivemos no Brasil, em que os governantes, o pensamento político nacional e todo o sistema jurídico estabelecem os princípios democráticos como base institucional do Estado e alteram os procedimentos da função pública para que sejam respeitados em todas as instâncias os direitos humanos, ainda presenciamos cenas de autoritarismo, de petulância, de desprezo, de superioridade, de pequenos “oligarcas” que não se coíbem de negar os mínimos direitos de reivindicação que os cidadãos mais pobres (e culturalmente mais humildes) apresentam. Quanto mais atrasada socialmente é a comunidade, mais “pequenos chefes” sabotam, em nome da burocracia, o andamento de processos individuais. Isto acontece principalmente nas agências de previdência social, em postos de saúde, em locais de segurança pública onde os cidadãos mais pobres recorrem ao Estado como se fosse a uma benesse, já que não têm recursos para utilizarem um intermediário particular.

A burocracia serve de cortina para a sabotagem ideológica

Os obstáculos atribuídos à burocracia pelos próprios servidores públicos, chegam a ser uma afronta à inteligência popular, tal é a burrice da sua existência. O cidadão deverá conhecer antecipadamente todos os seus direitos e mais os hábitos dos serviços público para não ficar em filas para obter informações que se somam às do atendimento de cada caso. As informações serão dadas como respostas aos pedidos e nunca são anunciadas para prevenir ou antecipar os resultados. O doente recebe um documento para realizar em outro local um exame complementar, apresenta ao balcão e é avisado de que deve voltar mais tarde para buscá-lo. Ao chegar mais tarde o funcionário diz que não está assinado pelo médico porque o doente não solicitou. No dia seguinte recebe mas não poderá inscrever-se no outro local porque deveria ter um cartão estadual ou nacional para o que são necessários documentos comprovativos. Volta mais tarde para preencher os dados e deverá esperar 15 dias pelo cartão. Só então faz a inscrição que levará um mês para ser marcada. E. assim por diante, a cada passo. Meses e anos para receber um atendimento que para ele deveria ser urgente.

À vista do sistema de obstáculos, “explicado” por se tratar de um serviço do Estado (que os políticos neoliberais querem reduzir ao mínimo exatamente por causa da famosa incompetência burocrática que cultivam), deixa-se de constatar que faltam as noções mínimas de organização e uma crítica observação sobre o menosprezo com que são tratados os cidadãos mais pobres dependentes dos serviços públicos enquanto os ricos têm as suas instituições privadas de gestão moderna. Então nasce a ideia da corrupção e do compadrio, típica da velha oligarquia, para buscar soluções mais eficientes. Os prejuízos causados pela perda de tempo, idas e voltas com despesas de transporte, o sacrifício de quem está doente, com todas as consequências na vida familiar e no emprego, fazem com que uma taxa extra pareça barata se encurtar caminho.

Temos assistido às tentativas do ooverno para acabar com o escândalo de políticos corruptos que é questão tradicional no Brasil como em muitos países de cultura oligárquica. É importante denunciar juridicamente estes casos de modo a servirem de exemplo para toda a sociedade, mas devemos reconhecer que a corrupção, mesmo em pequenos valores, é uma praga que inviabiliza a organização de um Estado democrático. Os movimentos sociais e políticos devem exigir o fim da impunidade para todo o tipo de obstáculo à democratização da vida social e pressionar por uma mudança cultural.

Sem educação e saúde não há desenvolvimento

O problema da educação é apontado em todos os setores da sociedade como sendo fundamental para o desenvolvimento nacional. Será útil distinguir a educação do cidadão através da cultura (cuja grande responsabilidade cabe aos políticos e funcionários de alto escalão no Estado e mais a comunicação social), o ensino desde as creches até o final do curso secundário (que compete às instituições de ensino público e privado com o acompanhamento de instituições especializadas) e a formação profissional (nos cursos médios e superiores, com o devido acompanhamento das indústrias e serviços que constituem o mercado de trabalho).

Depois da formação superior ainda precisamos obter das associações de classe respectivas um compromisso claro com a democracia, eliminando os traços elitistas que o povo tem que aguentar dos profissionais que, antes de saberem afirmam a sua pose de mando com frases em latim ou receitas comerciais que não têm lógica para o entendimento direto do cidadão. A OAB tem feito um grande esforço para superar várias décadas de multiplicação de maus profissionais, muitos deles apoiados por organizações criminosas e outros apenas incompetentes beneficiados pela incompetência do país dos bacharéis.

Mas a Ordem dos Médicos ainda nos deixa com fornadas de médicos que lêem apenas o que os laboratórios escrevem e fazem dos doentes cobaias sem acompanhamento. O sistema médico social encontra-se sempre à beira da falência, apesar de excelentes profissionais que aceitam as condições precárias de salário e de avalanches de doentes sem lugar, enquanto os convênios (sistema financeiro de seguros) e as clínicas particulares recolhem mensalidades pequenas ou grandes sem capacidade para que os seus médicos tenham mais que 5 minutos para ver, de raspão, um doente e fazer um diagnóstico que o laboratório divulga amplamente e ainda mandam para utilizarem os equipamentos do SUS a que não têm direito por serem do setor privado. Quem paga o pato é o cidadão, tanto o que tem convênio como o que não o tem. O sistema conveniado de assistência médica só funciona para os ricos que acabam utilizando os melhores médicos e equipamentos através dos compadrios e corrupções (como manda a velha cultura oligárquica). A disponibilidade de atendimento em consultas ou exames nos convênios é uma fraude financeira, com as mesmas dificuldades do setor público gratuito. Por que não investir o correspondente pago às clínicas que oferecem convênios, diretamente para o SUS ampliando os seus recursos com mais equipamentos e médicos? É assim que. mesmo os países mais pobres da Europa, garantem um atendimento normal e de qualidade para toda a população. Só os ricos compram o atendimento que preferem, que apenas tem mais luxo e conforto que o da população. A qualidade médica é igual. E a questão da seriedade e competência profissional pode ser supervisionada pela sua corporação, livre da comercialização dirigida por grandes laboratórios e empresas de seguro.

A sociedade brasileira tem dado passos gigantescos na correção dos seus problemas tradicionais. Hoje assistem-se a debates sobre o comportamento social e alguns vícios culturais - na midia, nas escolas, em assembleias, em manifestações sociais – revelando a existência de preconceito, e ações anti-democráticas, em todas as instituições oficiais. Evolui um pensamento político democrático que precisa ser regulamentado. Os que não tomam conhecimento dessas mudanças e até desvirtuam o comportamento do servidor público constituem uma minoria antidemocrática que segue a oposição política à democracia implantada no bojo da dinâmica histórica. Mas essa minoria tem força e precisa ser corrigida exemplarmente, como criminosa, para não contaminar os que se formam. Como é o caso dos que se deixam corromper.





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