quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Dignidade dos portugueses é o escudo da nação


Publicado   18/12/12 no.Portal Vermelho

A velha ambição de dominar o planeta e escravizar todos os povos sob o comando de uma elite poderosa - com as figuras históricas dos Césares, dos Reis, dos representantes dos Deuses, e, no século 20, do nazismo de Hitler e do imperialismo representado pela força militar dos Estados Unidos, apoiada por governantes dos países mais ricos da Europa - agora é definida pela União Europeia, por uma fórmula moderna capitalista, com o controle financeiro exercido pelo Banco Central Europeu, através da subordinação de todos os bancos do continente extinguindo a autonomia de cada nação que aceitou abandonar a sua moeda para adotar o euro.

Por Zillah Branco*

Alguns países, como a Inglaterra, a Irlanda e a República Checa, cautelosamente mantiveram-se fora desse programa de anulação da autonomia nacional pretendida pela chanceler alemã Angela Merkel e outros membros do Clube de Bilderberg (criado na sequência da II Grande Guerra em um encontro de chefes políticos, militares e das monarquias, na Holanda, que construíram o projeto da União Europeia implantada em 1993 com o Tratado de Maastrich).

A crise econômica atual serve de pretexto na Europa, para a criação de um superpoder - a Troika - que leva o FMI a imiscuir-se na vida de todos os países impondo os seus métodos e programas para "organizar a existência" das populações de modo a servir aos interesses do Mercado Europeu. Com a afirmação de que "os governos não souberam gerir as economias nacionais e provocaram o desemprego e uma grande dívida externa" a UE, que incentivava esta mesma gestão durante décadas, agora parece repreender os seus acólitos e apertar os cintos das populações vitimadas. 

Debatem longamente os valores a serem creditados a cada país e emprestam "aos bancos privados a baixos juros" para que sejam eles a financiarem (com maiores taxas) os investimentos ao Estado para a saúde, a educação, a segurança social, as infraestruturas, a energia, etc. Claramente uma aliança do poder central europeu com as empresas financeiras privadas, em prejuízo dos Estados nas suas funções sociais. Trata-se de uma nova forma de invasão com armas financeiras que ameaçam com a fome e a miséria social.

Como o povo organizado não é idiota nem passivo e está preparado para manifestar a sua vontade, com os empréstimos, as elites invasoras e os governantes submissos impõem as condições para que não proteste - cortam os direitos anteriormente conquistados pelos trabalhadores (salários, subsídios, legislação do trabalho, remuneração para o desemprego, merenda escolar, atendimento médico, etc.). Só falta cortar o abastecimento público da água, do gás e da energia elétrica. E os campos de concentração, como os “campos de refugiados" que foram espalhados pela África e Oriente Médio, estarão também no pacote da crise financeira criada pelos gestores do sistema? 

A mídia, em Portugal, vê-se obrigada a divulgar os protestos que se multiplicam nas ruas promovidos pelos sindicatos e partidos de esquerda, e declarações feitas por personalidades da vida nacional que não podem ficar caladas diante do "desrespeito pela dignidade dos portugueses". Como bem diz o cantor Pedro Abrunhosa que analisa a crise devida à "subordinação do governo a uma legião de bastardos estrangeiros" que invade o país. O protesto contra a falta de respeito pela dignidade dos portugueses e do país sensibiliza a maior parte dos setores da sociedade.

Em abril de 2012 foi divulgada pelo youtube uma palestra do médico alemão Dr. Matthias Rath que, nas vésperas da eleição francesa que apeou Sarkozy ( parceiro político de Angela Merkel), na qual chamava a atenção para a necessidade de acabarem com o euro que funciona como uma coleira amarrando os países mais pobres ao controle pelos poderosos. "Defendam as suas moedas", que é o caminho para defenderem a autonomia de cada nação, ou seja, a dignidade de cada povo. E a moeda portuguesa é o escudo, e de escudo os povos independentes necessitam com urgência. 

*Zillah Branco é socióloga, militante comunista e colaboradora do Vermelho


terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O mundo tornou-se mau?



18 DE DEZEMBRO DE 2012 

 Diante do flagrante abuso de um super-poder, no caso a União Europeia somada ao FMI, ao eliminar a autonomia dos países independentes que a compõem, pela via de imposições de medidas draconianas de austeridade à população trabalhadora e suas famílias, surgem ofertas atenuantes em nome da solidariedade para distribuírem alimentos e outras formas de esmolas que disfarçam a penúria dominante. 

Por Zilah Branco*


 "Boas almas" dão o seu tempo e dedicação nessas tarefas caridosas e procuram explicar os perigos que os mais frágeis, principalmente as crianças, correm na vida. O responsável pelo SOS Criança se refere a "este mundo mau", e outros dizem que "a maldade está no ser humano". Não há dúvida de que todo o socorro às pessoas carentes é meritório, mas os cidadãos com alguma formação política e social e os responsáveis pela gestão do Estado não podem ficar encostados na disposição sentimental dos que ajudam para amenizar os efeitos dos erros impostos pela elite poderosa.

Enquanto tentarmos eliminar as "maldades" que se revelam pontualmente em pessoas ou que parecem fazer parte da "natureza do mundo", estaremos alimentando a ignorância dos que preferem manterem-se alheios aos abusos cometidos por quem ocupa uma posição de poder. Este alheamento é uma forma de submissão e de conivência com o crime de criar o mal. 

As falsas explicações, baseadas em medos do desconhecido que são atirados para o campo das superstições e das ideias abstratas para negar o conhecimento objetivo da realidade, também são elaboradas pela elite dominante para manter as populações atreladas às informações que manipula, impedindo que se revoltem e conquistem os seus direitos, a sua dignidade, a força construtiva que pertence à humanidade. Assim, a mídia divulgou recentemente em todo o mundo, uma falsa afirmação atribuída à cultura Maia, de que, no próximo dia 21 de dezembro, será o fim do mundo. A Nasa viu-se forçada a declarar que a ciência - de que depende a sua função - nega a crendice ameaçadora divulgada.

As maldades, que se sucedem no nosso mundo, cada vez com maiores requintes de crueldade - vejam-se as chacinas cometidas por norte-americanos em escolas, igrejas e locais públicos; o crime organizado nas grandes cidades brasileiras; o terrorismo nos países invadidos pelas forças militares imperialistas, provocados entre tribos e seitas, em países africanos e asiáticos, impedidos de assumirem o seu desenvolvimento devido ao domínio colonial exercido pelo mercado imperialista; a destruição dos solos tratados quimicamente, como ocorreu na Índia, nas regiões submetidas aos projetos agrícolas criados pelas multinacionais da indústria de inseticidas; a multiplicação de doenças oncológicas favorecida pelo uso indiscriminado de medicamentos criados pelos grandes laboratórios da indústria farmacêutica mundial; a fome que mata milhões de crianças na África e que começa a penetrar as camadas populares da Europa que suportam o desemprego e a austeridade imposta para salvar os setores financeiros da crise do capitalismo; os vírus introduzidos para prejudicar a produção de alimentos; os vírus criados para impedir o uso da informática de maneira independente das grandes empresas multinacionais, etc - todas as maldades são produzidas a partir de uma estratégia de dominação da humanidade pela famigerada elite que detém o poder militar e, com ele, os poderes econômico, social e político no planeta. 

Tanto a natureza como os seres humanos estão condicionados no seu desenvolvimento pelas ações realizadas em função do controle do poder. É a ganância e o egoísmo que determinam os abusos de poder em prejuízo dos mais fracos, dos ingênuos, dos ignorantes, de todos os que, de uma forma ou de outra, forem dependentes para sobreviver e desenvolver as suas potencialidades naturais. 

Diante do recente massacre de crianças e professores nos Estados Unidos, Obama reconhece o aumento da violência (o quarto que, na sua gestão presidencial, ocorre sacrificando jovens) e que as várias causas não estão sendo combatidas devidamente no país. Talvez se refira ao controverso porte livre de armas defendido pelos conservadores, mas deve refletir também sobre o discurso a favor das "guerras justas" que proferiu cinicamente ao receber o prêmio Nobel da Paz, que serviu de estímulo aos massacres imperialistas no Oriente Médio e norte da África, onde os povos estão sendo igualmente chacinados.

Como bem disse uma emigrante portuguesa que acompanhou os tristes acontecimentos da escola de Connecticut nos Estados Unidos, "o nosso papel como membros daquela coletividade é o de mostrarmos que estamos identificados com as famílias no seu luto e sofrermos juntos para lhes dar forças". A solidariedade é assim, a solução para os problemas completa o socorro necessário para que os desastres não se repitam, e os governantes são responsáveis por impedirem que a violência e as crueldades não vitimem as populações.

A solidariedade com os que estão oprimidos nas sociedades obriga-nos a buscar a origem das maldades, denuncia-las, lutar pelo fim do seu poder perverso. Em Portugal os movimentos sindicais desenvolvem formas de manifestações permanentes para formar uma consciência popular capacitada a defender os direitos estabelecidos pela legislação do trabalho que reflete os princípios da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e exigir do governo uma gestão administrativa avançada e democrática. Só assim a população pode fiscalizar, com conhecimento objetivo da realidade nacional, o que os governantes e as instituições do Estado estão cumprindo em benefício da nação.

Ao longo do ano de 2012 esta formação cívica nacional evoluiu e hoje não restam dúvidas de que os atuais governantes estão subordinados às pressões externas contra os interesses do povo português. O Orçamento Nacional terá de ser examinado pelo Tribunal Constitucional e, se provada a inconstitucionalidade das medidas ( como ocorreu em 2011 e absurdamente aprovado precariamente), o governo terá de ser substituído. Em uma manobra política, de acordo com a explicação de analista da RTP (16/12/12), o presidente da República, Cavaco Silva, aprova primeiro e subordina depois ao Tribunal Constitucional para que "externamente possam prosseguir as relações financeiras e de mercado" (cit.RTP), e que, só quando a Assembleia de Deputados exigir, o Tribunal reconhecerá a necessidade de um novo governo. A manobra é bastante rasteira, mas os defensores deste governo desacreditado, como o analista político da RTP, não encontraram melhores alegações. 

O movimento sindical, liderado pela CGTP e apoiado pela esquerda de vários partidos, pacientemente continua a construir uma consciência nacional de cidadania que conquista a admiração dos demais países na Europa e se expande nacional e internacionalmente. Na verdade, a participação popular se faz em torno da questão do trabalho - que é o eixo da vida dos cidadãos - e das condições de produção, que o país oferece, e da legislação, que as instituições do Estado registram e aplicam de acordo com a história coletiva daquele povo. Cabe aos trabalhadores organizados apontar caminhos de desenvolvimento e fiscalizar a conduta dos governantes.

* Zilah Branco é socióloga, militante comunista e colaboradora do Vermelho


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Retrocesso econômico em Portugal



A crise do sistema capitalista tem sido aprofundada pelos governantes dos países mais ricos que preferem garantir maiores juros aos bancos e maiores lucros às grandes empresas às custas do empobrecimento das populações trabalhadoras. Este é o impasse político que está em causa, nos Estados Unidos e na Europa. 

Por Zillah Branco*



A crise do sistema capitalista tem sido aprofundada pelos governantes dos países mais ricos que preferem garantir maiores juros aos bancos e maiores lucros às grandes empresas às custas do empobrecimento das populações trabalhadoras. Este é o impasse político que está em causa, nos Estados Unidos e na Europa. 

O movimento sindical português, que se destacou na Revolução dos Cravos em 1974 pelas grandes conquistas no âmbito dos direitos no trabalho, cada dia que passa fortalece a sua função no despertar da consciência popular de que o povo organizado deverá lutar por um caminho que garanta o Estado Social sem os ônus da crise do sistema financeiro. E cada setor da produção, nesta linha, apresenta as suas reivindicações que se somam em um projeto alternativo de governo contrário ao que a Troika com o FMI propõem. E as forças partidárias de esquerda buscam a unidade para definirem um Governo capaz de impedir a destruição Estado independente e encetar o seu necessário desenvolvimento.

Esta conduta unitária e de responsabilidade pela ação governativa consolida as formas de participação social a partir do profundo conhecimento do papel do trabalho e da produção nacional como eixo prioritário dos investimentos, e não as opções elitistas de uma super- estrutura financeira agarrada como classe ao poder. Várias vozes, de origem ideológicas diferentes, têm expressado opiniões que convergem para o caminho de luta proposto pelos sindicatos, integrando setores internos da sociedade portuguesa e atraindo a solidariedade dos demais países da Europa.

O presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza, padre Jardim Moreira, afirma que, pela primeira vez, há casos de famílias com índices de rendimento negativos. Estas situações chegam às suas mãos enviadas pela Segurança Social. Em declarações à mídia em Portugal (23/11/12) refere que as famílias não têm dinheiro para pagar a renda, para comer ou para as restantes despesas básicas. “Esta gente tem que viver de uma economia paralela ou subterrânea, o que leva as famílias a ter todo um outro tipo de forma para angariar o sustento para poder sobreviver”, explica. A diferença entre pobres e ricos em Portugal é já uma vergonha. “Estou muito triste por ver um retrocesso na dignidade de mais de 2 milhões de portugueses e ver que a diferença entre ricos e pobres tem aumentado de forma desavergonhada neste país”, sublinha. 

Manuel Durão Barroso, atual presidente da Comissão Europeia, revela a grande preocupação que os grandes da UE têm com a "emergência social de Portugal". As manifestações, conduzidas pelo movimento sindical, se sucedem quase diariamente à frente do Parlamento e Ministérios protestando contra as decisões que destroem a autonomia nacional reconquistada com a Revolução de Abril depois de meio século de ditadura e miséria. 

As várias tendências partidárias de esquerda, incluindo a base do Partido Socialista que se sente órfã devido aos compromissos que os seus dirigentes assumiram com a direita europeia, retomam a consciência de luta que experimentaram na defesa da produção nacional e organização do trabalho a partir de 1974 que elevou o nível de vida dos trabalhadores e desenvolveu os setores sociais que proporcionaram a integração de todo o povo nos sistemas de saúde, educação e segurança social do Estado. A vitória alcançada por Portugal com a Revolução de Abril, que encerrou a política colonialista que oprimia vários países africanos além de promover o desenvolvimento nacional, atraiu a solidariedade de outros povos na Europa e no mundo, o que hoje começa a ressurgir entre categorias de trabalho que fazem greves e pronunciamentos nos seus respectivos países onde sofrem o esbulho levado pelo FMI a serviço da UE.

As farmácias de todo o país aderiram a uma campanha de Luto diante da ameaça de encerramento de 600 farmácias para as quais tornou-se insustentável a situação financeira que já vinha sendo prejudicada pela má gestão praticada pelos governantes desde 2010 quando caiu o valor das vendas e o Estado poupou 603 milhões de euros em medicamentos nas farmácias conduzindo-as ao colapso pelo endividamento.

Situação semelhante sofre o pequeno e médio comercio sacrificado pelo favorecimento nacional às grandes superfícies criadas por multinacionais em todo o território português e beneficiadas pelo traçado de uma rede de grandes estradas por onde são escoados os produtos vindos dos países ricos da Europa. O Primeiro Ministro teve a infeliz ideia de dizer que há "excesso de empresas comerciais", o que revela a análise superficial e meramente visual que os governantes fazem das relações economico-sociais existentes na sociedade portuguesa. Com a visão modernista implantada pela UE valoriza os grandes supermercados e centros comerciais que não correspondem às necessidades reais e ao gosto popular.

Manifestaram-se os "feirantes" que compõem os parques de diversões que tanto estão nas grandes cidades como nas aldeias, afirmando que o IVA que era de 6% passou para 23% impossibilitando o seu trabalho em todo o país. Alegam que são desprezados pelo Governo e que então não devem pagar impostos. 

O repúdio às imposições da Troika - protetora das altas finanças e inimiga do Estado Social - generalizou-se quando os cortes orçamentais exigidos às escolas secundárias revelou que o objetivo será cobrar taxas mesmo no ensino que agora é obrigatório e gratuito. A visão de um futuro miserável traçado para a população que ainda está lembrada que conquistou com a Revolução dos Cravos o salário mínimo nacional e os direitos trabalhistas, incita a um radicalismo capaz de guardar os Cravos mas reavivar a Revolução. A fama de povo pacífico começa a incomodar uma juventude que perde a perspectiva da construção de uma vida equilibrada.

O antigo ministro das Finanças Silva Lopes acusa a Alemanha de impor as suas políticas a Portugal e a outros países europeus, o que considera ser uma asneira monstruosa. Silva Lopes admite que o euro venha a cair. Em entrevista à mídia, Silva Lopes dá como exemplo o impasse que está a marcar as negociações no Conselho Europeu para defender que Berlim está a cometer uma "asneira monstruosa que vai levar Portugal e a Europa em geral à desgraça."

“Eles não quiseram expandir a procura interna, não quiseram expandir o consumo, quiseram travar os salários, não aumentaram os gastos do Estado, e a única coisa que eles quiseram foi aumentar as exportações. Eles aí são muito bons”, afirma.

“Querem impor essa política aos outros países, e, portanto, isto acaba na desgraça. Nós vamos na enxurrada. Somos os primeiros, aliás”, acrescenta. O resultado final poderá ser o fim da moeda única. “Eu admito que o euro não vai poder funcionar com estas regras alemãs”, até porque “o que os alemães fazem é uma asneira monstruosa”. “Admito que o euro, a prazo, se possa partir”, remata.

O atual Governo de Portugal, submisso à Troika, recebeu da UE 7 bilhões de euros dos quais entregou 4 bi aos Bancos e conservou 3 bi para "garantir novos empréstimos ao setor financeiro se necessário". Os juros de tal empréstimo, determinado pelo FMI, será pago pela população que sofrerá um corte de 3 bilhões no orçamento anual do Estado. Visivelmente repete-se em Portugal o empobrecimento provocado anteriormente na América Latina pela política financeira do FMI e faz recordar a exploração colonialista que levou as nações africanas à miséria .

*Zilayh Branco é socióloga, militante comunista e colaboradora do Vermelho


sábado, 24 de novembro de 2012

Trabalhadores da Europa, Uní-vos!


A ação da União Europeia, com o pretexto da crise financeira, sobre os países mais pobres do Continente Europeu, torna-se cada vez mais explícita como consequência das decisões tomadas pelo Grupo Bilderberg, criado em 1954 por um grupo sionista sediado nos Estados Unidos e políticos da direita européia, que corrigiram o plano de Hitler para dominar o mundo sem recorrer às chacinas e selvajerias do que se chamou "holocausto".

Com habilidade diplomática os pretensos "donos do mundo" deram início aos encontros anuais com a participação das monarquias europeias e políticos que aceitavam altos cargos nos seus países, inclusive de Presidentes ou Primeiros Ministros, para desenvolverem uma política social-democrática, oposta ao espírito de luta revolucionária dos comunista, que cativasse as populações com promessas de elevação do nível de vida gradual em um sistema capitalista "humanizado". Trabalharam arduamente para destruir a União Soviética que sempre fora considerada a força inimiga durante a Grande Guerra, mas que foi decisiva na vitória contra o fascismo de Hitler impondo a sua presença na divisão da Alemanha vencida e no convívio internacional como potência que era.

A guerra fria contra o importante bloco socialista com quem se viram aliados para vencer a Guerra, durante mais de 40 anos minou o sistema socialista que precisou investir em armamentos e na competição com o poder imperialista, os recursos que deveria aplicar no fortalecimento do Estado Social para promover o desenvolvimento das forças produtivas e sociais para libertar os povos do atraso em que viviam subordinados às elites exploradoras.

Em meados da década de 1980 atingiram a meta provocando a implosão da União Soviética e a destruição de todo o sistema socialista na Europa. Como símbolo, os vencedores derrubaram o Muro de Berlim e uniram os primeiros 12 países da Europa na Comunidade Europeia com fortes laços de endividamento para cumprir um programa de modernização dentro do modelo capitalista neo-liberal do Estado Mínimo.

Investiram fortemente na construção de estradas e nos recursos de comunicação, aperfeiçoaram um sistema de legislação que permite abrir as fronteiras e criaram a moeda única através do qual é unificado o poder financeiro europeu. Destruíram o caminho democrático aberto com o 25 de Abril de 1974 em Portugal que derrubara a ditadura de Salazar e o sistema colonial libertando vários países africanos. Criaram as condições para a grande crise que foi gerada pelo sistema capitalista que, em busca de um domínio centralizado do mundo, caminha pelos escombros deixados pelas guerras, acaba com o Estado Social, e esmaga as populações trabalhadoras para que sejam escravizados os que sobreviverem à fome, às doenças, ao desespero, à redução da população mundial que a elite pretende.

A resposta popular em Portugal

A organização de trabalhadores em Portugal, na luta iniciada pela CGTP com o apoio do PCP, contra a subordinação do Governo às imposições da União Europeia e do FMI, passou a receber a participação do Bloco de Esquerda com o movimento "A Troika que se lixe" que congrega artistas e técnicos de comunicação social capazes de atrair numeroso público de classe média de várias tendências políticas. Das forças partidárias de centro-direita o PSD que está no Governo, começa a perder alguns dos seus antigos políticos que preferem manter-se do lado popular no protesto contra a austeridade que traz a fome e a quebra da produção. O PS fica em cima do muro, enquanto a sua base segue as organizações de massa lideradas pela esquerda. A ação da UE junto com o FMI vai cortando os Orçamentos Nacionais enquanto abastece os bancos e beneficia as multinacionais, destruindo a economia existente, levando pequenos e médios empresários à falência ( na região norte de Portugal já existe um " cemitério" das empresas falidas), destruindo o sistema nacional de saúde, cortando os salários da função pública, as pensões e aposentadorias.

São promovidas manifestações grandiosas em todo o país, inclusive um marcha durante uma semana vinda do Norte e do Sul para Lisboa e greves nacionais. Cada grande setor específico - Polícias, Bombeiros, Saúde Pública, Bolseiros do Ensino Internacional, Militares, Deficientes, Mulheres, estudantes, trabalhadores da Caixa Geral de Depósitos e da TAP- tem feito manifestações em diferentes dias com a apresentação das suas reivindicações específicas além de participarem dos protestos nacionais junto aos demais trabalhadores.

Para o dia 14 de Novembro foram programadas greves nacionais e manifestações em 15 países da Europa de rejeição ao Orçamento Europeu da austeridade que reduz o Estado Social - Portugal, Espanha, França, Bélgica, Grécia, Itália, Suíça, Áustria, República Checa, Roménia, Croácia, Holanda, Alemanha, Inglaterra,
Em Portugal a CGTP realizou 39 manifestações em vários municipios do país dentro da programação da Greve Nacional. A UGT não aderiu à greve por ter feito um acordo com o Governo, mas vários dos seus sindicatos aderiram.

A adesão de 29 países europeus, incluindo a Turquia e antigos países do leste que agora fazem parte da União Europeia, tornou a greve do dia 14 a maior da Europa e de um valor importante para a unidade entre os movimentos sindicais do Continente Europeu.

Apesar da presença de elementos mais exaltados, ou provocadores infiltrados para provocar incidentes com a polícia, ficou clara a posição da CGTP em Portugal que os seus seguidores insistem nesta fase de diálogo para impedir que o Governo ceda às pressões da Troika e da UE representada por Angela Merkel para que a austeridade caia sobre os trabalhadores que são as maiores vítimas da crise financeira de um sistema falido em todo o mundo.

Setores de um camada de classe média empresária e de altos executivos demonstram a sua solidariedade com os mais pobres. Por um lado são movidos pelo repúdio à miséria que já se traduz em fome já constatada nas escolas (10 mil crianças deverão receber alimentação escolar para não sucumbirem) e do crescimento do número de pedintes nas ruas das grandes cidades, por outro a produção nacional despencou causando inúmeras falências e desemprego que pesam em toda a economia e arrasta o PIB para números negativos. São vistos antigos políticos do PSD, partido do primeiro ministro atual, incentivando a organização do Banco de Alimentos e da Caritas para, com o apoio de restaurantes, evitar que a fome sacrifique a nova classe média baixa.

De facto este setor de ascensão recente não sabe mais viver na pobreza de onde saiu pelas "mágicas" da própria União Européia na sua fase publicitária contra as conquistas da Revolução dos Cravos, e está totalmente preso às dívidas para sustentar o novo ( e falso) status social. Os mais pobres recorrem agora ao trabalho informal e à inadimplência e desenvolvem a consciência de cidadania participando nas manifestações sindicais e dos partidos de esquerda, mas quem ficou com a ambição de decolar com o milagre da UE vê- se perdido e traído.

Uma declaração do banqueiro Ricardo Salgado sobre a Troika, refere o seu espanto diante da "incapacidade dos seus representantes se entenderem" na apresentação das orientações ao Governo de Portugal. Generaliza-se a oposição à política imperialista traçada pela União Europeia e o FMI.

Zillah Branco

sábado, 10 de novembro de 2012

O retorno à Idade Média no século 21



Austeridade para crescer é a palavra de ordem apregoada pelo Banco Central Europeu, pelo Fundo Monetário Internacional e todos os seus acólitos. A recomendação é para os Governos cortarem os gastos com os setores sociais, despedirem funcionários públicos, suprimirem os benefícios que corrigiam as carências salariais, as pensões dos idosos, o atendimento da saúde púbica, e criarem maiores impostos, cobrarem propinas no ensino superior e de especialidades a nível médio. enfim, é para o povo apertar o cinto enquanto que a elite dominante esbanja os recursos públicos. oSoa como um catecismo que assinala os princípios morais básicos da humanidade:

. Poupar o que não faz falta para sobreviver
. Garantir o essencial: alimento,saúde, educação
. Investir na formação cívica e cultural
. Trabalhar sem descanso e com salários baixos
. Pagar os impostos e não protestar
. Evitar consumismo de supérfluos e modismos
. Transformar os objetos fora de uso, adaptando-os a novas funções
. Construir soluções com técnica, ciência e arte

Estas são as recomendações básicas para enfrentar as crises (sejam elas a nível pessoal, doméstico ou nacional). A União Europeia, no entanto, conduziu os países mais pobres da Europa a fazerem exatamente o contrário.  A partir de 1974, quando a CEE cria o Fundo de Desenvolvimento Regional para atrair a associação dos países mais pobres da Europa, desenvolve-se uma pressão subtil para que o clima de liberdade criado pela queda das ditaduras não levasse as nações a se tornarem independentes do sistema  elaborado desde 1958 para dominar o bloco europeu nas malhas do império capitalista internacional.

Portugal empobrecido sob a ditadura de Salazar que fez do pais "um jardim à beira-mar plantado" e negou todos os direitos trabalhistas (inclusive o do salário mínimo) levando a população à miséria, renasceu com a Revolução do 25 de Abril em 1974 que nacionalizou os pilares da economia nacional e incentivou a produção. Logo no primeiro ano a produção agrícola alcançou os maiores índices da sua história, abrindo caminho para a industrialização e a exportação. Ao mesmo tempo o Estado investiu em infra-estruturas e nos recursos sociais da saúde, educação, cultura e segurança social. Foi o Estado a enfrentar com responsabilidade e capacidade de gestão a austeridade para fortalecer a economia nacional e beneficiar a população.

Com a adesão à União Europeia em Janeiro de 1986, os políticos neoliberais em Portugal, deslumbrados com a possibilidade de expandirem o luxo dos europeus mais ricos a quem se associaram, abriram grandes estradas (algumas inúteis, que ainda hoje permanecem vazias dia e noite), cederam espaços públicos e reduziram impostos (que deveriam ser investidos no desenvolvimento nacional) às multinacionais que transformaram Portugal em um imenso "centro comercial". Do "jardim" da ditadura a nação foi promovida a "loja" de luxo. A perspectiva governamental é a mesma de Salazar, e o desprezo pelo povo igualmente criminoso. A nova ditadura foi sendo construída através dos endividamentos que fortaleceram o poder dos bancos e empresas financeiras multinacionais. 

Da luta entusiasta que assistimos em 1974/5 na Reforma Agrária, na formação de Cooperativas de Produção, na defesa das empresas nacionais pelos trabalhadores, passamos ao esbanjamento de espaço territorial e recursos financeiros cedidos pelos governantes para beneficiar um poder externo espoliador da riqueza portuguesa. Da riqueza material que deveria ser a base do desenvolvimento nacional e da riqueza cultural que fazia de cada português um cidadão consciente dos seus direitos e do dever de participar na construção de uma sociedade independente e justa, Portugal passou a arrancar as suas vinhas e laranjeiras que não combinavam com o padrão industrializado da União Europeia, destruiu a reforma agrária abrindo espaço para o turismo e acolhimento de estrangeiros não adaptados nos seus ricos países, retomou o caminho da emigração por razões econômicas. Voltou ao tempo da miséria e da subordinação aos desmandos governamentais.

A Associação Portuguesa de Centros Comerciais, criada em 1984 e filiada ao "International Council of Shopping Centers" e ao  "European Property Foundantion" com sede em Bruxelas, desenvolveu um mega projeto para dar escoamento aos produtos dos países membros da União Europeia. Em 2012 indica a existência de 9.286 pequenos (empresas que têm rede de lojas) e grandes comerciantes associados em Portugal que ocupam, com suas lojas, uma área bruta locável (sem somar a área subterrânea dos imensos estacionamentos) de 2.895.688 de metros quadrados distribuídos por todas as regiões do país, ocupando 100 mil trabalhadores diretos e 200 mil indiretos como mão de obra.

Com a crise na Europa, os grandes fabricantes de roupa, produtos de uso doméstico, quinquilharias e alimentos de pastelaria, passaram a oferecer nos Centros Comerciais, ao lado das suas mercadorias caras e de luxo, produtos de baixo custo (e de baixa qualidade) em algumas das grandes lojas, atraindo um setor da classe média que já se habituara ao comercializado pelos chineses um pouco por todo o país. 

Essa foi a forma escolhida para "educar", com a publicidade enganadora dos grandes centros comerciais, a população mais pobre que consome o mais barato e vê a imagem da superioridade dos que podem comprar produtos de luxo tida como o "ideal" de vida. Aos poucos vai-se definindo quem é "povo" e quem é "elite" no convívio consumista. É o contrário do que se recomenda para enfrentar a crise com austeridade, em substituição à consciência de cidadania dos princípios democráticos que a Revolução de Abril havia introduzido em Portugal.

Enquanto as estatísticas demonstram que as áreas de produção e floresta têm vindo a ser  reduzidas e que milhares de pequenos empresários industriais e comerciais vão à falência, multiplicam-se as grandes superfícies dos centros comerciais. Há algumas décadas essas estruturas de comercialização que engolem e aniquilam os pequenos estabelecimentos, apareciam em livros de ficção. Hoje é uma realidade, tão adversa aos costumes compatíveis com o poder aquisitivo dos trabalhadores, como os desastres ecológicos que ameaçam o planeta.

Portugal, com 10 milhões de habitantes (sendo que 2 milhões estão na linha de miséria, com salário abaixo do mínimo nacional) vivendo no território de 92 mil quilômetros quadrados, onde 13.800 Km2 é área urbana, ocupa perto de 3 mil km2 com grandes superfícies comerciais - as maiores da Europa - onde são vendidos os produtos que vêm dos países mais desenvolvidos. Ou seja, 3,2% da área territorial portuguesa é um luxuoso balcão para dar escoamento aos produtos estrangeiros. E, para que o consumo seja facilitado, foi construída uma imensa rede rodoviária com pouco movimento nacional para  servir aos visitantes e turistas. 

Desde a integração de Portugal à União Europeia o país vem sofrendo esta gestão governamental, que reproduz a da ditadura de Salazar, sem preocupação com o desenvolvimento da produção nacional e a formação do seu povo com os direitos de cidadania. Agora, com a crise financeira mundial, os países mais ricos e o FMI impõem a austeridade às populações empobrecidas e formadas na cultura de "cinderela" diante da riqueza da elite que se comporta como a velha monarquia passeando impunemente a sua beleza diante do olhar esfomeado dos que vão caindo no desemprego crescente.

Repetindo o comportamento da realeza na Idade Média, apregoa-se como "virtude moral" a austeridade para as camadas mais pobres, a dos trabalhadores e suas famílias, eliminando as importantes conquistas sociais e jurídicas alcançadas ao longo de quase dois séculos de lutas em toda a Europa.

O procedimento da União Europeia hoje, em relação aos países que aceitaram créditos bancários para praticar a nefasta gestão para a "mágica do enriquecimento" do modelo UE, segue os passos do Banco Mundial e do FMI que endividaram os países do Terceiro Mundo por mais de meio século com os igualmente nefastos projetos de "revolução verde" e de substituição de culturas agro-pastorís de sobrevivência, por produção para a agro-indústria controlada por empresas estrangeiras. Tais projetos de investimento foram largamente denunciados por especialistas inclusive do Banco Mundial (.  ) por beneficiarem empresas multinacionais de produtos químicos e agro-indústrias e destruírem as culturas tradicionais de sobrevivência das populações do Terceiro Mundo. Na India, hoje, procura-se recuperar o solo das regiões onde foi realizada a "revolução verde", tornado absolutamente árido com o uso de produtos químicos que extinguiram a vida natural que era a base da agricultura de sobrevivência local.  

A "extinção da vida não é força de expressão", é a realidade que ameaça a humanidade com a destruição do planeta, hoje bastante conhecida. A moderna gestão recomendada pela UE e o FMI leva à extinção das condições de vida dos povos. É uma chacina social.

Percebe-se com  facilidade a destruição da natureza - do solo fértil, das culturas agrícolas, dos pastos e das florestas. Em consequência desaparecem as profissões dos que aí trabalhavam extraindo da natureza o produto agrícola ou animal e os seus derivados, os artesãos das indústrias caseiras de queijos, pães e bolos, doces, mobiliários, carros e ferramentas de uso rural, tecidos etc. Menos visível é o desaparecimento da cultura tradicional que formava os seres no convívio social, que se sentiam protegidos na comunidade solidária com os seus hábitos e costumes equilibrados nas condições de vida existente. Surge a necessidade de emigrar e as ambições de adquirirem os modelos de existência dos ricos que a publicidade internacional divulga através de todos os meios de comunicação. A população é prejudicada, principalmente os mais jovens, por viverem uma  ficção construída criminosamente como se fosse a realidade da vida na sociedade enquanto o processo de produção e as condições de vida real vão sendo destruídas.

Zillah Branco

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O poder jurídico e a responsabilidade ética e históric




Maria do Carmo Medina, jurista nascida em Portugal em 1925, recebeu em Lisboa, no dia 24/10/2012 uma homenagem promovida pela Comunidade Angolana com emocionados depoimentos de renomados juristas portugueses e ilustres personalidades de Angola, da Embaixada e do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), na oportunidade do lançamento da segunda edição, ampliada, do livro "Angola - Processos da Luta pela Independência", Editora Almedina.

Po Zillah Branco*, de Lisboa


A vida e a obra de uma mulher que ocupou os mais elevados cargos na magistratura e foi jubilada como Juiz do Tribunal Supremo de Angola em 1997, revela os difíceis passos a serem construídos para a formação de uma estrutura judicial, fruto de uma guerra de libertação de uma nação colonizada, com base em pilares sólidos da ética e do humanismo. Apesar da vigência de um regime ditatorial e fascista que fazia uso da violência e daimpunidade para impedir que surgisse na antiga colônia um Estado de Direito baseado em princípios democráticos, a luta popular contou com a participação militante de vários juristas que enfrentaram todas as dificuldades e ameaças de destruição das suas carreiras e da própria vida, na criação de um poder judicial cuja essência invencível reside na pureza da ética e no vínculo concreto com a história que levou aquele povo à sua emancipação nacional.

A queda do Governo Ditatorial em Portugal no 25 de abril de 1974 e a libertação das antigas colônias em África derivam de um mesmo processo histórico e de consciência de luta que ao longo de décadas uniu militantes europeus e africanos na elaboração de condições de vida democrática tanto para o país colonizador como para a sua vítima colonizada.

É a relação íntima da história de luta de um povo com a criação do poder jurídico, que permite conhecer e defender o caminho democrático para a criação de um Estado de Direito. "O jurídico e o relato dos fatos se imbricam um no outro, tornando a investigação mais profunda e completa."

Alguns traços da vida e obra de M.C.Medina Maria do Carmo Medina, muito jovem, fez a escolha de uma difícil carreira: a de defender os que são ofendidos na sua dignidade humana e perseguidos por terem ideias próprias.

Utilizou como armas as instituições jurídicas presentes no Estado, à época opressor, condicionado pela ditadura. A estrutura jurídica do Estado referia os princípios conquistados pela humanidade e definidos como Sistema Jurídico pelas nações ocidentais, apesar de escamotear a sua dignidade com medidas de exceção que tornavam "legais" as práticas de ações arbitrárias contra a liberdade dos cidadãos Mulher de aparência frágil e vontade férrea, tornou-se um exemplo não apenas na luta pela emancipação das mulheres, mas na preparação de uma carreira jurídica que abriu caminhos democráticos numa estrutura de Estado dominado pela ditadura de Salazar.

Com a sua capacidade profissional introduziu a Justiça nos interstícios das instituições que eram usadas para impor o medo aos cidadãos e escravizar os povos. Levou como bagagem a sua formação em Direito, consolidada sobre uma base ética e de militância social adquirida no convívio com o MUD-Juvenil, a Casa dos Estudantes do Império e a organização musical "Sonata" dirigida por Fernando Lopes Graça, onde conheceu uma juventude disposta a acabar com a opressão ditatorial em Portugal e libertar as colónias. Naquele ambiente formaram-se grandes líderes que encabeçaram os movimentos de libertação em África - Agostinho Neto, Lúcio Lara, Amilcar Cabral e tantos outros.

Maria do Carmo também carregou consigo os conceitos humanistas do valor da família e do respeito pela integridade da mulher, das crianças, dos jovens e dos idosos que integram a sociedade e suportam o peso maior dos crimes do totalitarismo que asfixia a vida nacional. Trazia consigo o germe da lutadora pela justiça que amadureceu a sua formação de cidadã ao desvendar a realidade cruel da vida dos povos colonizados onde o Estado de Direito não existia por serem as colónias consideradas, no concerto internacional, como "feudos" do governo ditatorial. A legalidade, que de certa forma existia nos textos jurídicos da Metrópole, era traduzida pelas "exceções" que manchavam os princípios jurídicos retirando-lhes o valor aplicado aos "nativos" das nações colonizadas considerados como cidadãos "de segunda classe".

Os limites políticos à sua liberdade obrigaram-na a deixar o país aos 25 anos. Em Angola foi professora de Liceu até poder abrir um escritório de advocacia (o primeiro a ser aberto por uma mulher em Angola), onde passou a representar, junto às autoridades administrativas, funcionários angolanos relegados às mais baixas categorias de trabalho, a defender o direito de propriedade das famílias esbulhadas pelo poder colonial e, a partir de 1959, a defender os presos políticos e os que voltavam dos campos de concentração.

Em estreita relação com o MPLA, colaborou no projeto da Lei Fundamental e na Lei da Nacionalidade. No Estado de Angola independente, Maria do Carmo desempenha inúmeras funções - Secretária para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, Juíza do Tribunal Cível, Juíza Desembargadora do Tribunal de Relação, até ser jubilada como Juíza do Tribunal Supremo em 1997.

Além dos altos cargos que ocupou desde 1976 junto ao Governo da República de Angola, Maria do Carmo Medina colaborou com o Ministério da Justiça na elaboração de leis e regulamentos relativos ao Direito Cível, Direito de Família, Registo Civil, Direito Administrativo, Direito Penal, Organização Judiciária, matérias que vai lecionar no Curso de Advogados Populares, em Seminários de Formação de Magistrados, na Universidade Agostinho Neto até 2011.

Os inúmeros trabalhos que elaborou, editados ou apresentados em palestras em Angola e vários países da Europa, África e América Latina, consubstanciam os profundos estudos relativos à "Mulher", à "Família", aos "Menores", na abordagem dos seus direitos específicos, a violência que sofrem, as condições jurídicas e sociais que enfrentam na sociedade, os efeitos da guerra. Da realidade extrai os temas essenciais para a defesa dos mais oprimidos dando-lhes destaque no pensamento jurídico da nova Nação.

Agora é reeditada a versão ampliada do importante livro "Angola - processos Políticos da Luta pela Independência", pela Editora Almedina, com detida análise da questão referida como "separatismo", considerada pela Ditadura de Salazar como "comunismo", por abrir o caminho à independência das colónias e ao direito de autonomia nacional.

A releitura daqueles processos que contribuíram para que os demais países e a ONU tomassem conhecimento dos horrores praticados na Guerra Colonial contra os povos de África, e também contra os soldados portugueses obrigados pelo governo de Salazar a darem a vida pela ambição colonialista, soma o valor jurídico ao valor histórico, que é imorredouro, de uma luta tenaz pela democracia que enriquece os conceitos universais de Justiça.

Maria do Carmo participou na construção do sistema jurídico que estabelece num Estado de Direito as condições democráticas que são exigidas pela realidade angolana. Este é um modelo incentivador para muitos povos que ainda lutam pela independência das suas nações que, em pleno século 21, estão sob o controle de um poder externo imperial, e carregam os vícios de um passado oligárquico eivado de preconceitos e fórmulas de autoritarismo que impedem o desenvolvimento cultural e social do seu próprio Estado.

* Zillah Branco é socióloga, militante comunista e colaboradora do Vermelho